Por Helder Miranda
Em maio de 2014
O Plano de Metas “Compromisso Todos Pela Educação” se fosse indiscutivelmente aplicado, e não ficasse apenas na teoria, seria ótimo. Mas já no título que apresenta demonstra incoerência – “Todos pela educação”. Todos quem? Todos é uma palavra muito ampla, envolve todos os setores envolvidos, inclusive família, profissionais que trabalham na escola e até alunos, como se todos fossem cúmplices em prol de algo maior.
Deveria ser assim, mas sabe-se, sem generalizar, que há famílias que se envolvem e outras que colocam uma criança na escola para se exaurir da responsabilidade e dos aborrecimentos que ocasionam dentro de casa – barulho, bagunça, horários, etc.. Existem profissionais sérios e outros que não cumprem nem o papel que lhes é atribuído. Mas, mais grave que isso, é o próprio governo – representado neste plano de metas como União, Estados, Distrito Federal e Municípios – que, é nítido, relega à educação a segundo e terceiro planos, com salários baixos, falta de infraestrutura, dirigentes desinteressados e, além disso, a crescente falta de autonomia e de iniciativas que protejam professores dentro das salas de aula. Tudo em prol da “melhoria da qualidade da educação básica”, como afirma o artigo 1º.
Este termo, por sinal, também está errado. A “educação básica” deveria vir de casa, de berço, enquanto as escolas deveriam vir com a “educação complementar”. Dentro deste contexto, o que seria, então, uma “educação intermediária”, ou “educação avançada”?. São perguntas que não são fáceis de responder, mas deixam nítida a intenção de eximir o governo da responsabilidade maior e, enquanto existir essa mentalidade de “educação básica”, as coisas realmente ficam difíceis para o setor.
No item I do 2º artigo tem como meta estabelecer como foco a aprendizagem, aprontando resultados concretos a seguir. Correto, porque até um aluno ter resultados não satisfatórios não deixa de ser um resultado concreto. O problema se torna quando estas informações são “maquiadas”, até por bonificações, que acontecem.
O item II determina que as crianças devem ser alfabetizadas até alcançarem os oito anos. O que se vê não é bem isso. Há analfabetos funcionais entre as classes, seja nos ensinos básico, fundamental ou médio. Então, isso não é cumprido, pois, na maioria das vezes, os professores são obrigados a “fechar os olhos” e aprovar alunos que não sabem ler ou escrever.
O III item segue com outro impropério: “acompanhar cada aluno individualmente”, em uma realidade de salas que podem chegar a mais de 40 alunos. Praticamente impossível! O combate à repetência no item IV acontece, de certa forma, de uma maneira até “não declarada”, pois algumas séries, exatas, não repetem de ano. A adoção de práticas com aulas de reforço no contra-turno, estudos de recuperação e progressão parcial não acontecem em todas as escolas, então, se o Governo quisesse efetivamente que isto fosse realizado, deveria fiscalizar esta questão.
Combater a evasão escolar está previsto no item V. Não entendo como é possível o acompanhamento individual das razões de não-frequência de um educando, mas é válida a intenção, embora eu acredite que várias questões estão intrinsicamente ligadas e vão além da educação – as áreas de assistência social e saúde também deveriam ser contempladas.
Matricular o aluno na escola mais próxima da residência, no item VI, ótimo, mas todos sabem que há escolas em que não há vagas para a demanda, então, na prática, pode não acontecer. No VII item, ampliar as possibilidades de permanência do educando na escola, além da jornada escolar, também é uma boa iniciativa. Em Santos, há o programa “Escola Total – Jornada Ampliada”, que preenche o tempo de alunos da rede municipal com atividades esportivas e culturais. Mas, obviamente, não abrange a todos.
O VIII item, sobre valorizar a formação ética, artística e a educação física eu acho muito improvável. Porque não se têm muitas questões éticas voltadas para o ambiente escolar e o professor fica sobrecarregado de ensinar alguma coisa além da matéria, para muitos alunos na sala de aula. A questão ética talvez devesse ser tratada como algo extracurricular, ou talvez o professor devesse abrir espaço para debates sobre assuntos pontuais. Quanto à educação artística, discordo, tendo em vista que na maioria das salas de aula, esta matéria ainda é tratada, tanto pelas escolas quanto pelos alunos, como uma atividade menor. Não há incentivo para que o aluno goste de arte ou queira se aprofundar. Já na educação física, são cumpridas as aulas, mas na maioria dos casos também não há professores comprometidos a ponto de motivar alunos a se exercitarem, ou o próprio professor detectar novos talentos.
O IX trata da educação inclusiva. Hoje, mais do que antes, acontece de alunos com necessidades especiais frequentarem classes comuns, quando antes eram isolados da sociedade. Mas não é o suficiente. A inclusão deve começar de casa, e se alastrar a todos, do servente da escola, ao diretor, passando pelos alunos, saibam lidar com as diversidades.
Promover a educação infantil é o décimo item. O governo mantém as escolas abertas, e matricula regularmente alunos. Mas será isso suficiente? O programa de alfabetização de jovens e adultos, no 11º item, é uma iniciativa que funciona, nas escolas em que é realizada, porque há gente querendo aprender e sem mais tempo a perder. Pode ser uma maneira de ressocializar e, principalmente, abrir novas perspectivas.
A formação continuada de profissionais da educação, prevista no item XII, é algo que acontece. Vários cursos online e presenciais são oferecidos aos professores, que podem encontrar, a partir desta iniciativa, uma maneira de se manterem atualizados. O plano de carreira, cargos e salários de um professor, privilegiando o mérito, a formação e a avaliação do desempenho, nos itens XII e XIV é algo que desconheço, talvez por ainda não atuar na área, mas principalmente pela classe ser tão desvalorizada.
A estabilidade após o período probatório, prevista no item XV, é real, e por isso ainda atrai muitos profissionais, que sabem que entrar em um concurso público como professor pode ser mais fácil, pelo excesso do número de vagas – que nunca é preenchido, pois, como todos sabem, sempre falta professor.
O envolvimento dos professores no projeto político pedagógico, previsto no item XVI, acontece de acordo com a vontade da direção. Já ouvi relatos de que os professores realmente participam, com sugestões e propostas e, por outro lado, profissionais, além de não participarem da elaboração, recebem projetos pedagógicos impostos. No item XVII, incorporação de coordenadores pedagógicos, realmente acontece, alguns realmente acompanham as dificuldades enfrentadas pelo professor e intermediam, junto à direção, a busca de soluções. Mas, em outros casos, há coordenadores que simplesmente ignoram os problemas e “lavam as mãos”, sem nada a fazer. Esses méritos também são contemplados, de acordo com o item XVIII, considerando mérito e desempenho, nomeação e exoneração de um diretor da escola.
O item XIX prevê a divulgação na escola e na comunidade o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica da escola, o que, na prática, não acontece. Assim como no item XX, que determina o acompanhamento e avaliação, com a participação da comunidade do Conselho de Educação, as políticas públicas na área de educação para garantir condições para continuidade das ações efetivas. São tantas coisas que não acontecem, que o item XXI, que determina que zelar pela transparência da gestão pública na área de educação, garantindo o funcionamento, principalmente autônomo e articulado dos conselhos de controle social e o XXII, o de promover a gestão participativa na rede de ensino – o que acontece com bem poucas escolas.
“Quando existentes”, elaborar um plano de educação e instalar Conselho de Educação. Coerente que a lei prevê a não-existência, principalmente para o Conselho de Educação, que é raro existir. Eu acredito que até tentam integrar saúde, esportes, assistência social e cultura dentro dos programas de educação na escola. Mas as ações, ainda assim, são insuficientes, porque apenas dentro do contexto escolar não é o suficiente, mas vale a intenção, se for executada.
O envolvimento de famílias e apoio aos conselhos escolares, para zelar pela manutenção das escolas e monitorar as ações e metas, prevista no item XXV, é utópico, mas bem-intencionado. Efetivamente, nas escolas em que isso acontece, o que deve ser raro, pode fazer a diferença – se as famílias realmente se envolverem, o que não deve ser fácil também.
Da mesma forma, soa utópico o item XXVI, com a sugestão de transformar as escolas em espaços comunitários para manter e recuperar equipamentos públicos. Se a escola realmente contasse com o envolvimento de pais, responsáveis ou membros da comunidade, muita coisa do que se sabe que é realidade dentro da instituição e do próprio entorno dela não aconteceriam.
As parcerias externas, com o objetivo de tornar possíveis projetos socioculturais, ações educativas e visando a melhoria da infraestrutura das escolas, como previsto no item XXVII, simplesmente não acontece. Até porque a direção das escolas não têm essa autonomia que estas leis querem passar. A autoridade das escolas não têm autonomia, muitas vezes não têm interesse em fazer um comitê com representantes dos setores público e privado.
Em poucas palavras, o Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação é, no mínimo, questionável. Para não dizer, de uma maneira pouco respeitosa, risível. Na maioria das vezes, não é culpa da direção, dos professores, nada disso. É culpa do governo, que não cumpre o que ele estabelece como meta ou norma.
Em maio de 2014
O Plano de Metas “Compromisso Todos Pela Educação” se fosse indiscutivelmente aplicado, e não ficasse apenas na teoria, seria ótimo. Mas já no título que apresenta demonstra incoerência – “Todos pela educação”. Todos quem? Todos é uma palavra muito ampla, envolve todos os setores envolvidos, inclusive família, profissionais que trabalham na escola e até alunos, como se todos fossem cúmplices em prol de algo maior.
Deveria ser assim, mas sabe-se, sem generalizar, que há famílias que se envolvem e outras que colocam uma criança na escola para se exaurir da responsabilidade e dos aborrecimentos que ocasionam dentro de casa – barulho, bagunça, horários, etc.. Existem profissionais sérios e outros que não cumprem nem o papel que lhes é atribuído. Mas, mais grave que isso, é o próprio governo – representado neste plano de metas como União, Estados, Distrito Federal e Municípios – que, é nítido, relega à educação a segundo e terceiro planos, com salários baixos, falta de infraestrutura, dirigentes desinteressados e, além disso, a crescente falta de autonomia e de iniciativas que protejam professores dentro das salas de aula. Tudo em prol da “melhoria da qualidade da educação básica”, como afirma o artigo 1º.
Este termo, por sinal, também está errado. A “educação básica” deveria vir de casa, de berço, enquanto as escolas deveriam vir com a “educação complementar”. Dentro deste contexto, o que seria, então, uma “educação intermediária”, ou “educação avançada”?. São perguntas que não são fáceis de responder, mas deixam nítida a intenção de eximir o governo da responsabilidade maior e, enquanto existir essa mentalidade de “educação básica”, as coisas realmente ficam difíceis para o setor.
No item I do 2º artigo tem como meta estabelecer como foco a aprendizagem, aprontando resultados concretos a seguir. Correto, porque até um aluno ter resultados não satisfatórios não deixa de ser um resultado concreto. O problema se torna quando estas informações são “maquiadas”, até por bonificações, que acontecem.
O item II determina que as crianças devem ser alfabetizadas até alcançarem os oito anos. O que se vê não é bem isso. Há analfabetos funcionais entre as classes, seja nos ensinos básico, fundamental ou médio. Então, isso não é cumprido, pois, na maioria das vezes, os professores são obrigados a “fechar os olhos” e aprovar alunos que não sabem ler ou escrever.
O III item segue com outro impropério: “acompanhar cada aluno individualmente”, em uma realidade de salas que podem chegar a mais de 40 alunos. Praticamente impossível! O combate à repetência no item IV acontece, de certa forma, de uma maneira até “não declarada”, pois algumas séries, exatas, não repetem de ano. A adoção de práticas com aulas de reforço no contra-turno, estudos de recuperação e progressão parcial não acontecem em todas as escolas, então, se o Governo quisesse efetivamente que isto fosse realizado, deveria fiscalizar esta questão.
Combater a evasão escolar está previsto no item V. Não entendo como é possível o acompanhamento individual das razões de não-frequência de um educando, mas é válida a intenção, embora eu acredite que várias questões estão intrinsicamente ligadas e vão além da educação – as áreas de assistência social e saúde também deveriam ser contempladas.
Matricular o aluno na escola mais próxima da residência, no item VI, ótimo, mas todos sabem que há escolas em que não há vagas para a demanda, então, na prática, pode não acontecer. No VII item, ampliar as possibilidades de permanência do educando na escola, além da jornada escolar, também é uma boa iniciativa. Em Santos, há o programa “Escola Total – Jornada Ampliada”, que preenche o tempo de alunos da rede municipal com atividades esportivas e culturais. Mas, obviamente, não abrange a todos.
O VIII item, sobre valorizar a formação ética, artística e a educação física eu acho muito improvável. Porque não se têm muitas questões éticas voltadas para o ambiente escolar e o professor fica sobrecarregado de ensinar alguma coisa além da matéria, para muitos alunos na sala de aula. A questão ética talvez devesse ser tratada como algo extracurricular, ou talvez o professor devesse abrir espaço para debates sobre assuntos pontuais. Quanto à educação artística, discordo, tendo em vista que na maioria das salas de aula, esta matéria ainda é tratada, tanto pelas escolas quanto pelos alunos, como uma atividade menor. Não há incentivo para que o aluno goste de arte ou queira se aprofundar. Já na educação física, são cumpridas as aulas, mas na maioria dos casos também não há professores comprometidos a ponto de motivar alunos a se exercitarem, ou o próprio professor detectar novos talentos.
O IX trata da educação inclusiva. Hoje, mais do que antes, acontece de alunos com necessidades especiais frequentarem classes comuns, quando antes eram isolados da sociedade. Mas não é o suficiente. A inclusão deve começar de casa, e se alastrar a todos, do servente da escola, ao diretor, passando pelos alunos, saibam lidar com as diversidades.
Promover a educação infantil é o décimo item. O governo mantém as escolas abertas, e matricula regularmente alunos. Mas será isso suficiente? O programa de alfabetização de jovens e adultos, no 11º item, é uma iniciativa que funciona, nas escolas em que é realizada, porque há gente querendo aprender e sem mais tempo a perder. Pode ser uma maneira de ressocializar e, principalmente, abrir novas perspectivas.
A formação continuada de profissionais da educação, prevista no item XII, é algo que acontece. Vários cursos online e presenciais são oferecidos aos professores, que podem encontrar, a partir desta iniciativa, uma maneira de se manterem atualizados. O plano de carreira, cargos e salários de um professor, privilegiando o mérito, a formação e a avaliação do desempenho, nos itens XII e XIV é algo que desconheço, talvez por ainda não atuar na área, mas principalmente pela classe ser tão desvalorizada.
A estabilidade após o período probatório, prevista no item XV, é real, e por isso ainda atrai muitos profissionais, que sabem que entrar em um concurso público como professor pode ser mais fácil, pelo excesso do número de vagas – que nunca é preenchido, pois, como todos sabem, sempre falta professor.
O envolvimento dos professores no projeto político pedagógico, previsto no item XVI, acontece de acordo com a vontade da direção. Já ouvi relatos de que os professores realmente participam, com sugestões e propostas e, por outro lado, profissionais, além de não participarem da elaboração, recebem projetos pedagógicos impostos. No item XVII, incorporação de coordenadores pedagógicos, realmente acontece, alguns realmente acompanham as dificuldades enfrentadas pelo professor e intermediam, junto à direção, a busca de soluções. Mas, em outros casos, há coordenadores que simplesmente ignoram os problemas e “lavam as mãos”, sem nada a fazer. Esses méritos também são contemplados, de acordo com o item XVIII, considerando mérito e desempenho, nomeação e exoneração de um diretor da escola.
O item XIX prevê a divulgação na escola e na comunidade o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica da escola, o que, na prática, não acontece. Assim como no item XX, que determina o acompanhamento e avaliação, com a participação da comunidade do Conselho de Educação, as políticas públicas na área de educação para garantir condições para continuidade das ações efetivas. São tantas coisas que não acontecem, que o item XXI, que determina que zelar pela transparência da gestão pública na área de educação, garantindo o funcionamento, principalmente autônomo e articulado dos conselhos de controle social e o XXII, o de promover a gestão participativa na rede de ensino – o que acontece com bem poucas escolas.
“Quando existentes”, elaborar um plano de educação e instalar Conselho de Educação. Coerente que a lei prevê a não-existência, principalmente para o Conselho de Educação, que é raro existir. Eu acredito que até tentam integrar saúde, esportes, assistência social e cultura dentro dos programas de educação na escola. Mas as ações, ainda assim, são insuficientes, porque apenas dentro do contexto escolar não é o suficiente, mas vale a intenção, se for executada.
O envolvimento de famílias e apoio aos conselhos escolares, para zelar pela manutenção das escolas e monitorar as ações e metas, prevista no item XXV, é utópico, mas bem-intencionado. Efetivamente, nas escolas em que isso acontece, o que deve ser raro, pode fazer a diferença – se as famílias realmente se envolverem, o que não deve ser fácil também.
Da mesma forma, soa utópico o item XXVI, com a sugestão de transformar as escolas em espaços comunitários para manter e recuperar equipamentos públicos. Se a escola realmente contasse com o envolvimento de pais, responsáveis ou membros da comunidade, muita coisa do que se sabe que é realidade dentro da instituição e do próprio entorno dela não aconteceriam.
As parcerias externas, com o objetivo de tornar possíveis projetos socioculturais, ações educativas e visando a melhoria da infraestrutura das escolas, como previsto no item XXVII, simplesmente não acontece. Até porque a direção das escolas não têm essa autonomia que estas leis querem passar. A autoridade das escolas não têm autonomia, muitas vezes não têm interesse em fazer um comitê com representantes dos setores público e privado.
Em poucas palavras, o Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação é, no mínimo, questionável. Para não dizer, de uma maneira pouco respeitosa, risível. Na maioria das vezes, não é culpa da direção, dos professores, nada disso. É culpa do governo, que não cumpre o que ele estabelece como meta ou norma.
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