segunda-feira, 29 de setembro de 2014

.: Entrevista com Marcilio Moraes, dramaturgo, autor de "Plano Alto"

"Não julgo meus personagens. Se alguém o fizer, serão os espectadores". 
Marcilio Moraes


Autor da série "Plano Alto", que estreia nesta terça, às 23h30, na Record, Marcilio Moraes tem história. Toda semelhança com a série não é mera coincidência, já que, pesquisando sua extensa biografia, é possível saber que ele participou ativamente do movimento estudantil a partir de 1965, como vice-presidente do Diretório Acadêmico Livre e depois como membro da diretoria da União Nacional dos Estudantes, quando estudou Letras na antiga Faculdade Nacional de Filosofia.

Professor, tradutor, jornalista, crítico de teatro, publicitário, revisor, dicionarista e assessor técnico da Funarte - Fundação Nacional de Arte, publicou o primeiro conto na revista "Cadernos Brasileiros”, em 1968. Em 1974, começou a escrever para teatro, assinando peças teatrais como "A Vaca Metafísica", "Sonata Sem Dó", "Correntes" e "Aracelli" e, com isso, ganhando prêmios do antigo Serviço Nacional de Teatro e prêmio de “Revelação de Autor”, da APCA - Associação Paulista de Críticos de Arte. 

Na televisão, ganhou o “Troféu Imprensa”. Na década de 1980 passou a escrever para televisão, iniciando sua carreira na Rede Globo, onde escreveu telenovelas, "Mico Preto" (1990), "Sonho Meu" (1994), e, como co-autor, "Roda de Fogo" (1987, de Lauro César Muniz), "Mandala" "Irmãos Coragem" (de Dias Gomes, respectivamente em 1987 e 1993), além das minisséries  "As Noivas de Copacabana" (1992) e "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1998), também como co-autor na parceria bem-sucedida com Dias Gomes, e especiais. 

Em 2002, desliga-se da emissora e, no ano seguinte, publica "O Crime na Gávea", seu primeiro romance. Contratado pela Rede Record em 2005, obteve grande êxito nesta emissora com as telenovelas “Essas Mulheres”, “Vidas Opostas” e “Ribeirão do Tempo”, além das séries “A Lei e o Crime” e “Fora de Controle”. Ocupou o cargo de presidente da AR - Associação dos Roteiristas durante vários anos, até 2011. Em 2013, iniciou a produção do filme 'O Crime da Gávea', baseado no seu romance e, em 2014, escreveu a minissérie política "Plano Alto".

RESENHANDO - Em momentos de eleição, a série "Plano Alto" pode influenciar de alguma forma o voto do telespectador?
MARCILIO MORAES - Não é o objetivo doutrinar o telespectador, mas incentivá-lo a fazer uma reflexão sobre a política num plano mais alto, como ela se desenvolve e quais são os fatores que estão em jogo. Seus personagens não são vistos como bons ou maus, mas como homens e mulheres que participam da política. 

RESENHANDO - Prestes a eleger novos líderes no Brasil, falar de política é sem dúvida um tema delicado. Você acredita que algum político do cenário real pode se sentir incomodado com a sua história?
M.M. - É um desafio grande, mas acho que eu resolvi bem essa questão. Acredito que eu consegui fazer do jeito de como é a realidade, de como a política brasileira acontece sem incomodar ninguém. Todos os lados que estão na luta política podem assistir sem se sentirem atacados ou acusados. 


RESENHANDO - Já vimos temas políticos em novelas brasileiras, mas sempre em um tom mais jocoso, de sátira. Na sua opinião, os autores e as emissoras fogem da verissimilhança quando o assunto é política na ficção?
M.M. - De fato, não existem obras marcantes retratando políticos na TV brasileira. Em parte, isso se deve a muitos anos de censura, no regime ditatorial, o que inibia os autores. Também a vulnerabilidade das redes de TV ao poder do Estado, de que são apenas concessões, contribuiu muito para que as produções não se aventurassem nesse campo. Sempre foi mais fácil abordar o assunto em tom jocoso, satírico. Hoje, com a democracia consolidada, com o 
surgimento de concorrência na TV aberta, creio que o quadro pode mudar. A série que acabo de escrever, “Plano Alto”, é um indicativo. 

RESENHANDO - Estamos em um momento em que a sociedade brasileira está discutindo mais política por causa das redes sociais. A série vai tratar disto também? 
M.M. -  As tramas de "Plano Alto" se desenvolvem no mundo político e também no ambiente da mídia, tanto a tradicional como as chamadas redes sociais. Ambas interferem na política e são pelos políticos utilizadas. Mostro esse jogo, nem sempre muito transparente, entre os dois universos. 

RESENHANDO - Como é o desafio de atrair a atenção do espectador com um tema denso como política?
M.M. - O espectador, tradicionalmente, desenvolveu uma certa antipatia pela 
política e pelos políticos. Mas, no momento atual, a política está tão presente que todo mundo se envolve com ela, de uma forma ou outra. A discussão política passou a fazer parte do cotidiano brasileiro como há muito não se via. Creio que este momento favorável vai contribuir muito para o sucesso da série. No que diz respeito à história que conto, utilizei os recursos tradicionais da dramaturgia. Criei tramas e personagens humanos, com que o espectador possa se identificar. Meus personagens não são caricaturas, são pessoas de carne 
e osso com o diferencial que se dedicam à política. Não julgo meus personagens. Se alguém o fizer, serão os espectadores. 

RESENHANDO - Você assiste a seriados como "House of Cards", "Scandal", "Veep"? 
M.M. - Não sou viciado em seriados como muita gente atualmente. De vez em 
quando, vejo um ou outro. Dos que você citou, assisti "House of Cards", que achei bem interessante e que de certa forma influenciou o meu "Plano Alto". 

RESENHANDO - Que personagens da política brasileira são, na sua opinião, dignos de filmes de ficção? E por quê?
M.M. - Em princípio, qualquer ser humano é digno de um filme. Tudo depende 
da forma como é tratado. A política brasileira está cheia de figuras que, pelo bem ou pelo mal, são dignas de um filme. O que acontece no cinema, na TV e na ficção brasileira de um modo geral, é que as obras em sua maioria têm um tom “chapa branca”, convencional, bem comportado, que foge dos aspectos polêmicos das figuras que retrata. As obras não trazem em si o embrião do debate, pelo contrário, sempre procuram não melindrar ninguém, procuram 
agradar a todos. Aí fica o que o escritor Oswald de Andrade chamava de “geleia geral” da cultura brasileira. "Plano Alto" procura um outro caminho.
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