terça-feira, 30 de setembro de 2014

.: “...Coisa na terra semelhante a isto...”, por Diego Demanoqua

Por Diego Demanoqua 


Quando me deparei com a beleza, senti algo menor e mais curto que a aspereza da pele. Um couro de delicadeza incalculável. Uma verruga singular. Mas como... Como alcançá-la? Despir-se? Deixar-se ver? Rasgar a descarga e o impulso, o abrupto e, de dentro, extrair a púrpura? 

A procura de estabelecer uma boa medida, fui em direção ao vaso. Grande e poroso nos olhos, era o meu esfumaçado meio-dia. Como quem mastigara um macaco sorrindo, lancei dentro da peça arquitetonicamente sugestiva todas as minhas tripas. E exagerei pensando dizer tudo isso, mas as tripas estavam lá, transfiguradas. Decidi andar de um lado ao outro e chamuscar minhas idéias com o aparato daquele desejo: dizer uma palavra alvejante, capaz de organizar meus distintos percursos, em belezas, encardidos.

O resultado veio em uma hora. Vi no escuro do espelho a nua escolha. Gritei no direito "diegésico" do grito, dentro dos meus quadrados metros de habitação.

Radiante como uma fina lâmina de nada percorrendo os olhos dos outros. A beleza era a imensidão de uma pergunta, a provocação de um arrepio, a masturbação de um padre sob uma constelação de anjos temerosos. 

 O cheiro harmonioso do sujo com a limpeza dos passos indiferentes. A luz se rebitava nas coisas do cômodo e ele era bem um banheiro iluminado. As sombras feitas por uma única idéia de mosca, enchia o branco teto de pássaros. Arte e boa dose de vômito, liquidamente providenciados. Minha mente me encharcava as costas "encamisoladas" e dos olhos viam e iam ondas de vacilações. Palavras pequenas e sóbrias e fortes e tristes e sólidas...

Triturada a experiência, ao quarto. Uma cama com lençol suficientemente aquático para os sonhos. E, sim, deitei-me e sonhei. Com aquela imensidão de permitir. 

Uma rua. Um diamante. Uma imagem. Um corpo. E... Um olho só. Breve como uma pergunta indesejada feita por alguém que o sabia, breve como um pássaro não visto, mas suspeitado pela retina. Breve como o efeito da cifra, do símbolo, sob a mente. A sabedoria que conversa e convence-nos de muito, um muito não descritível, mas pronunciável. Portanto, breve como a pronúncia do que é pela presença que suporta, como fardo. Breve como a associação de quem lê com aquilo que se disserta e se compara. Mais breve do que a própria brevidade da palavra que diz essa rapidez inserida e exteriorizada. Menos breve do que o parágrafo, menos consistente que a intenção do discurso, menos mundo, mais imundo – um mundo para dentro. Não era, de todo, uma viagem ao entorno, mas um pesadelo?

Verdadeiro pecado. Incídio – pois não me matou, antes o fizesse, apenas tornou o conforto desvivente. Se me tivesse matado, ainda verteria a vida por entre as linhas... mas foi só suspeita de essência, sugestão de necessidade. O que eu procurei, de fato, era tal que eu não encontrasse. 

No dia seguinte, eu admiti tudo, fugi para depois, depositei-me num já surgido  agora em impossível cessar. 

A morte tocou em minha porta e não disse um advérbio sequer de negação, pelo contrário, cantava um sim extenso e curto com a habilidade nata dos amores camonianos. E o que definhava passeava rasante junto aos discretíssimos sons dos vizinhos, falava de trás para frente e percebia com olhos que se mantinham escondidos nas costas, as palavras nos bustos das horas. Quando, surpreendido por aquela composição eloqüente, um jardim escrito numa idéia de horta, estapeei minha própria cara, fiz com que mesmo as pulgas das libélulas enxergassem o meu minúsculo tamanho de gigante. 

Afinal, queria eu acordar de quê? De mim? E pôr a me dormir no outro? Seria essa a meta do voo? Separação espelhada em pisa? Um não ceder em estado de queda?

Um vizinho com poucas milhas de braços, ossos e outros; saiu de uma das portas cheio de “hums” sonolentos, a pergunta era se tudo estava bem comigo. Não tinha nada de ave aquele tamanho baixo de existência, nem devia saber assobiar. Sem sim, ou não, ficamos fitando um ao outro até que aquele instante se tornasse irremediável inconsciência na criança e, no adulto, uma febre de arrebentar as superfícies.

Surgiu-me, então, o raso, pesou-me o livro na mão impondo os rastros. Defini o discordar de mim, o pensamento me ancorava em alguma nuvem que, eu sabia, haveria de se clarear em novo escuro. No dia seguinte choveu: ganhei os direitos autorais daquele achado invisível.

Sobre Diego Demanoqua
Nascido em Guarujá, em São Paulo, desde muito cedo revelou apreço pela leitura e escrita. Fascinado por escritores como Herman Hesse, Machado de Assis, Borges, Rubem Alves, Mia Couto e Saramago, ama, com o verbo na borda do inevitável, os livros teóricos, por motivos que nem a ele foram explicados.  Escreve incessantemente, lê intensivamente e acredita que as palavras não possuem nada de tão incrível quanto as indefinidas coisas que, nos interstícios, comunicam-se. 
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