domingo, 31 de agosto de 2014

.: Entrevista com Hélder Moura, escritor e jornalista

"Posso dizer que neste período a literatura me salvou". - Hélder Moura

Por: Helder Miranda
Em agosto de 2014


Jornalista há 31 anos, Hélder Moura lançou recentemente a edição brasileira do romance “O Incrível Testamento de Dom Agápito”, publicado no Brasil pela Miró Editorial. Com uma trajetória de 31 anos de jornalismo, ele é comentarista da CBN Paraíba e mantém um blog comentadíssimo sobre política, viagens, humor e literatura no  "Jornal da Paraíba", ligado ao portal G1, e é também professor universitário do Instituto Federal da Paraíba, onde leciona sobre algoritmos e lógica.

Nascido em 1957, em Campina Grande, na Paraíba, é uma figura conhecida na região do Nordeste, já que desde 1983 exerce a profissão de jornalista. Tem passagens pela "Gazeta do Sertão", "Correio da Paraíba" e "TV Correio" (filiada à Rede Record), onde ganhou vários prêmios de imprensa

Como poeta, venceu prêmios e, em 1985, lançou o livro "Coração de Cedro". , Lançou em 2012 a edição portuguesa do livro “O Incrível Testamento de Dom Agápito” que, antes de ser um relato sagaz e bem humorado sobre a cobiça, é uma homenagem à língua portuguesa, seja ela no português do Brasil ou de Portugal, porque a história não é narrada, mas tecida com a maestria de só quem entende das palavras.

No último dia da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, o autor esteve no evento para divulgar o livro, que já foi lançado em Lisboa e Óbidos (em Portugal), São Paulo, João Pessoa e Campina Grande, e falou com o Resenhando.

RESENHANDO - Como surgiu a ideia de escrever o livro "O Incrível Testamento de Dom Agápito"?
HÉLDER MOURA - Eu estive em Óbidos, em Portugal, onde a história começa. Anos depois, esta história do livro me ocorreu de uma vez, mas eu não tinha planos de ser romancista. Mudei de empresa, eu era da TV Record, passei para a TV Globo. Mas, neste intervalo, fiquei de quarentena, e me dispus, para não ficar parado, a escrever este livro. Foram três ou quatro meses, fermentando a ideia, até concluí-la.



RESENHANDO - Por que você não tinha planos de ser romancista?
H.M. - Porque minha formação é a de jornalista. Além disso, sou professor de lógica. Meu foco era outro.



RESENHANDO - Então, o que fez você mudar de ideia?
H.M. - Entre uma empresa e outra, fiquei de quarentena. Estava condicionado a escrever todos os dias, e durante certo período estive sem nada, havia parado de escrever para jornal. Para não me "aperrear" ainda mais, e me ocupar, comecei a escrever o romance. Posso dizer que neste período a literatura me salvou.



RESENHANDO - Por que lançou o livro pela primeira vez por uma editora portuguesa?
H.M. - Tenho amigos portugueses que me levaram para a Chiado Editora. Com esse pessoal, tenho ligações, pois eles estavam tentando reduzir as taxas de importação de vinhos portugueses no Brasil, deixar a um nível similar ao do Mercosul, dadas as questões históricas e a relação entre os dois países. Fui à Portugal, assinei contrato, lancei o livro em Lisboa. Seis meses depois, a Prefeitura de Óbidos me convidou para fazer o lançamento na cidade. A edição, de 2012, com 3 mil exemplares, se esgotou rapidamente. Para esta edição, que Márcia Lígia Guidin (editora da "Miró Editorial") costuma dizer que é a primeira edição brasileira, preferi fechar contrato por aqui por conta da distribuição. Lancei aqui no Brasil dia 2 de junho, na Livraria da Vila, em São Paulo.


RESENHANDO - Antes disso, os leitores de Óbidos queriam conhecer você...
H.M. - Sim. O livro vendeu bem em Portugal. Primeiro, participei de noite de autógrafos em Lisboa, mas não tinha lançado na cidade em que se passava o livro. O lançamento em Óbidos foi à convite da Prefeitura de lá, que recebeu vários telefonemas de pessoas da cidade, que leram o livro e queriam me conhecer.



RESENHANDO - A receptividade do livro no Brasil foi tanta que até a apresentadora Ana Maria Braga falou do livro no programa "Mais Você"...
H.M. - Quando fui lançar o livro em São Paulo, o José Nêumanne Pinto (comentarista do telejornal "Jornal da Gazeta", editorialista e articulista do jornal "O Estado de S. Paulo" e comentarista diário na rádio "Jovem Pan"), em uma conversa com a Ana Maria Braga, falou sobre o livro. Ela fez uma divulgação interessante.



RESENHANDO - Existem diferenças entre a edição brasileira e a portuguesa?
H.M. - No Brasil, a edição foi revisada e ampliada.  Conta com um depoimento da historiadora Mary Del Priore na contracapa, que conheci na feira de Frankfurt, na Alemanha. Fui convidado pelo consulado da Alemanha porque, de 70 escritores, nenhum era da Paraíba. O cônsul da época, Martin Mann, que havia lido o livro, perguntou se eu queria ir e aceitei, depois de ser liberado pela CBN e pela universidade em que leciono. A orelha é escrita pelo professor professor português Luis Pinto, da Universidade Sênior de Nazaré e  do Museu de Nazaré, e posfácio da escritora santista Maria Valéria Rezende. A edição portuguesa não vinha com nada disso. A edição brasileira está em vias de esgotar, estamos pensando em mais uma redição, ou reimpressão.

RESENHANDO - E a arte da capa?
H.M. - É do artista plástico paraibano Davi Queiroz. Ele leu o livro, me chamou na casa dele e me perguntou o que a tela lembrava. Eu respondi: "essa tela lembra cena do livro, a réplica do castelo de Óbidos e a fila das testemunheiras, estilizados". Ele respondeu: "Essa tela é sua". É uma tela grande, de dois metros, que hoje está na minha casa. Quando a editora da edição brasileira, Márcia Lígia Guidin, viu, decidiu que esta seria a capa.


RESENHANDO - Por que o Agápito da edição brasileira é acentuado, e na versão portuguesa não tem acento?
H.M. - Agápito palavra de origem grega. Na Europa, eles não são acenturadas proparoxítonas (palavras com mais de quatro sílabas). Já em países latinos, como o Brasil, palavras proparoxítonas contam com acentuação. É por isso o "Agápito" a edição brasileira tem acento, senão a sílaba tônica da palavra ficaria no "pi". 


RESENHANDO - O que pode nos dizer sobre este livro?
H.M. - Conta a história de Dom Agápito pai e Agápito filho, que presencia o pai cometendo um crime: matar um oficial português, por este ter matado a esposa de Agápito pai. Eles se instalaram em uma pequena cidade do Brasil e, ricos, fizeram uma réplica do castelo de Óbidos, em Portugal, onde moravam. A cidade, agradecida pelo castelo, muda o nome para ser Óbido também, e a população fascinada com a presença dos estrangeiros passou a falar com sotaque português. Até que Agápito pai morre e Agápito filho fica só, e acaba morrendo. Mas deixa um testamento: como nunca havia casado, deixa uma recomendação seguintes termos: todas as pessoas que tiverem como provar com testemunhos e documentos alguma relação com ele teriam direito a uma fração de sua herança. Forma-se uma fila imensa, onde está a cidade toda, principalmente as mulheres daquela cidade pobre. A partir de então, é formado um conselho para ouvir estas pessoas e são registradas uma série de infortúnios... Depois, para saber o que vai acontecer, só lendo o livro.



RESENHANDO - Romances picarescos são aqueles cujo herói é um aventureiro ou um vadio. O estilo surgiu na Espanha no século XVI, com "Vida de Lazarillo de Tormes". Por que escolheu a linguagem picaresca para contar a história?
H.M. - Porque há uma tradição da leitura nisso, nos heróis picarescos. E para ser bem alegóricas as relações retratadas nos livros.



RESENHANDO - Há algo de você nestes personagens?
H.M. - Não tenho identidade com os personagens. Talvez possa ser feito um paralelo entre o jornalismo e as pessoas retratadas nele. Há uma curiosidade... A "Turma da Liga Impiedosa", mostrada no livro, sabe da noticia no momento em que elas acontecem, assim é com a imprensa. No livro e na vida real s]ao como bisbilhoteiros, que sabem quase que automaticamente o que acontece e divulgam em questão de instantes.



RESENHANDO - Com 31 anos de jornalismo, cobrindo política, não considera muita exposição publicar um romance?
H.M. -  É muita exposição, sim. E uma surpresa para as pessoas que consumiram ao longo de 31 anos a minha cobertura como jornalista. Em um primeiro momento, tive certo receio de ser questionado como romancista. As pessoas sempre me viam sempre como um colunista politico. De repente, eu apareço com um livro. Aí pensam: "é sobre política na Paraíba". Mas não é, é um livro picaresco, irônico, sarcástico... A antítese daquela militância que eu mesmo fiz durante anos. Não sabia se iria ser bem recebido, mas meus leitores receberam o livro muito bem.


RESENHANDO - Pretende continuar a ser romancista?
H.M. - Sim, e já tenho um segundo livro. Chama-se "O Inquérito do Nosso Estranho Amor", que é mais denso. Tem um pouco de minha militância politica, e fala sobre uma socialite que é encontrada enforcada. As investigações da Polícia levam ao marido, já que enforcamento é um crime de paixão. Ela usa uma espécie de cinto de castidade, pois passou por uma infibulação, ou seja, teve a genitália mutilada para evitar que tenha prazer ou relações sexuais. O primeiro suspeito é o esposo, e para explicar objeto estranho ele confessa que desconfiava que a mulher o estava traindo. A Polícia descobre resto de sêmen e sangue na genitália dela, mas uma carta anônima leva ao amante, um jornalista. A questão é: quem matou Niza? 


RESENHANDO - O primeiro livro tem uma história leve. O segundo é bem mais denso. Por que?
H.M. - Porque é uma história baseada em um acontecimento real. Foi uma de minhas primeiras reportagens, na área policial, antes de cobrir política. No decorrer do livro, descobre-se que o marido voyeur contratava jovens para se deitar com a esposa, entre eles o jornalista. Dado um certo momento, ele interrompia as relações entre os homens e a esposa para consumar o ato sexual. O pacto entre eles era que ela não se apaixonasse por ninguém, mas ela se apaixonou pelo jornalista. Numa destas noites, a mulher acaba sendo morta. O jornalista, que é ateu, comunista, disléxico e virgem, para explicar a relação que teve com a mulher assassinada, recorre à teoria da relativa da paixão.



RESENHANDO - Com 31 anos de jornalismo, cobrindo política, não considera muita exposição publicar um romance?
H.M. - O primeiro livro despertou o meu interesse em continuar sendo romancista. Eu, que passei a maior parte de minha carreira fazendo jornalismo político, estou fazendo mestrado em literatura e, depois, pretendo fazer doutorado nesta área.

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