quinta-feira, 1 de maio de 2014

.: Resenha de "A Mentira", Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues, entre segredos e mentiras

Por: Helder Miranda
Em maio de 2014 


Para manter satisfatórias as relações, a mentira cumpre o seu papel, justifica o autor, sobre folhetim lançado pela Agir.


Nelson Rodrigues disse, em entrevista para a edição número 9 do “Flan - O Jornal da Semana”, que circulou de 7 a 13 de junho de 1953, que somos amados não pelo que somos, mas pelo que aparentamos ser. Caso contrário, seríamos rejeitados por nossas mães, irmãos, noivas ou esposas. 

Para ele, era preciso usar um disfarce – e, a partir desse acessório, de acordo com ele, para manter satisfatórias as relações, a mentira cumpre o seu papel. “Sejamos mentirosos”, sugeria Rodrigues, no texto assinado pelo repórter Hélio Pellegrino.

A entrevista foi republicada como um texto bônus na edição mais recente do folhetim “A Mentira”, lançada pela editora “Agir”, que supre o desejo de colecionadores em encontrar esta obra, publicada pela primeira vez há poucos anos, pela Companhia das Letras, e esgotadíssima, tendo sorte aqueles leitores que a encontrassem em sebos. 

Neste romance publicado em 18 capítulos no semanário “Flan”, a partir de junho de 53, estão todos os elementos que fazem o leitor mais desavisado se encontrar com o universo rodrigueano.Há mais que isso, há Lúcia: a maquiavélica – ou não? - adolescente que enlouquece os homens à sua volta. 

Criada dois anos antes da personagem Lolita, que seria um sucesso estrondoso – e um escândalo – do russo Vladimir Nabokov, ela é a irmã caçula de uma família com quatro mulheres criadas por um pai repressor do subúrbio do Rio de Janeiro no início da década de 50. 

Entre segredos e mentiras que vão se revelando aos poucos, a tragédia começa a ser tecida quando descobre-se que Lúcia está grávida. E os únicos suspeitos são os cunhados, maridos das irmãs mais velhas, que vivem sob a tutela do chefe de família, debaixo do mesmo teto. 

A história já foi explorada em outros textos do mesmo autor, ele próprio sabia e transformava o ato de se repetir como algo que não o desabonasse, pois os temas abordados por ele, a cada repetição, vinham carregados de novas nuances.

Mas no livro descoberto há pouco tempo pelas novas gerações, encontramos um Nelson Rodrigues mais vibrante do que nunca, e é adorável, pois ele é um autor que traz todo um sabor do passado, aquele que volta mais, repleto de mocinhas inatingíveis e nem tão inocentes, como foram nossas avós. Os livros de Nelson Rodrigues falam a linguagem do povo, trazem gírias antigas, mas chega a ser impressionante como ainda são atuais os temas que ele propôs décadas atrás. 

A impressão é que se lê algo empoeirado, mas novo, porque nunca foi realmente mexido ou aprofundado. Talvez os poucos debates que foram colocados na boca da sociedade – há mais atualidade do que a mulher ser culpada por um estupro, segundo a opinião pública, se o tamanho da roupa não for suficientemente grande? 

Os debates que Nelson propôs a partir de seus personagens sempre foram significativos demais para gerar algum debate que trouxesse um elemento a mais para que os assuntos evoluíssem ou, pelo menos, deixassem de ser tabu. Mas a unanimidade, como ele mesmo já disse, burra, não o acompanhou. É uma pena, mas o livro é excelente. Leia.

Livro: A Mentira
Autor: Nelson Rodrigues

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