sexta-feira, 1 de junho de 2012

.: Entrevista com Edson Flosi, jornalista e escritor

“Todo jornalista é um escritor em potencial.” - Edson Flosi

Por: Helder Miranda, com a colaboração de Ana Paula Alencar


Em junho de 2012


Conheça melhor aquele que desvendou o jornalismo. Saiba mais de Edson Flosi!



São 500 reportagens em 30 anos de jornalismo que fazem de Edson Flosi um jornalista diferenciado. Nascido em São Paulo em 1940, começou no jornalismo aos 20 anos e exerceu a profissão durante 30 anos, passando pelos jornais Folha de S.Paulo, Jornal da Tarde, O Globo e outros veículos da imprensa. Ocupou quase todos os cargos de uma redação: repórter, redator, pauteiro, chefe de reportagem, editor e secretário. Mas sempre voltava às ruas para fazer o que mais gostava: reportagem. Em toda a sua carreira foi essencialmente repórter policial. Milita, há 20 anos, no Fórum de São Paulo como advogado criminalista e, desde 1996, atuou como professor do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, onde exerceu o cargo de assessor da Diretoria.

Lançou, este ano, o livro “Por Trás da notícia - O Processo de Criação das Grandes Reportagens”, da Summus Editorial, que reúne 15 reportagens selecionadas, publicadas ao longo de sua trajetória profissional. Embora tenha se notabilizado pelas reportagens policiais, a obra mostra uma faceta pouco divulgada de Flosi: perfis de personalidades e de gente comum, mostrando assim versatilidade e talento para apurar boas histórias.

Os capítulos começam com os bastidores da produção de cada reportagem e apontam ainda eventuais percalços enfrentados pelo autor na época da realização das matérias - boa parte delas escritas durante a ditadura militar de 1964. Em seguida, traz fac-símiles de cada reportagem e, depois, a reprodução textual destas.

Entre as matérias mais importantes de Flosi estão duas sobre o famoso assalto ao trem pagador, ocorrido em 10 de agosto de 1968. A polícia suspeitava que o assalto havia sido planejado por guerrilheiros que lutavam contra a ditadura. 

Hoje, dominada por grandes empresas de comunicação - mais interessadas nos lucros do que nas notícias -, o jornalismo brasileiro atravessa uma crise: a apuração, o texto bem escrito e o contato direto com as fontes quase desapareceram. Entretanto, há apenas algumas décadas, a profissão era exercida "na raça" e nas ruas, com informações bem costuradas em grandes matérias. E é exatamente isso que Edson Flosi, testemunha e personagem dessa época, apresenta: uma amostragem histórica do jornalismo à moda antiga.

Mas foi em novembro de 1968 que Flosi publicou suas reportagens mais conhecidas. Depois de obter uma cópia de um dossiê do Departamento de Ordem Pública e Social (Dops), o repórter escreveu duas matérias que abordavam as ações da guerrilha do Araguaia. Uma delas trazia fotos e curtos perfis de 13 guerrilheiros. "Eu sabia que a documentação era verdadeira. Confiava na fonte e no meu trabalho. É um momento difícil na vida de um repórter: decidir se escreve ou não uma reportagem desse tipo. E nesse momento ele está sozinho; ninguém pode ajudá-lo - a decisão é só dele", recorda Flosi.

Fosse investigando crimes ou contando histórias corriqueiras, Flosi legou aos estudantes de jornalismo e a todos os que se interessam pela produção de notícias uma obra inigualável, fruto de uma vida inteira de trabalho. "Não tomei parte no jornalismo ‘empresarial’. Minha carreira acabou antes. Mas, sonhador irreverente, acredito na volta da grande reportagem e do jornalismo literário, o que dependerá das novas gerações de jornalistas, que terão de lutar por mais espaço dentro das empresas se quiserem atingir esse objetivo", finaliza.


RESENHANDO - Os jornalistas do passado eram melhores, ou os novos jornalistas foram prejudicados pela industrialização de notícias, ou a rapidez dos veículos de comunicação?
EDSON FLOSI – Os jornalistas do passado não eram melhores, mas tinham mais tempo e as despesas pagas para escreverem grandes reportagens, praticando nelas o jornalismo literário. Hoje, os jornalistas escreverem duas ou três matérias por dia sem sair da redação, por telefone ou pela internet.


RESENHANDO - Como foi o critério de seleção destas 15 reportagens?
EF – Assinei, em 30 anos de carreira, cerca de 500 reportagens. Selecionei 15 para o livro que escrevi, “Por Trás da Notícia”, não porque fossem as melhores, mas porque se adaptavam aos comentários que pretendia publicar com elas.


RESENHANDO - Para você, a morte do dentista Cícero Sumio Yajima foi suicídio ou assassinato? 
EF – Na reportagem “Um Mistério em Oito Capítulos”, sobre a morte do dentista Cícero Sumio Yajima, havia elementos que apontavam tanto para suicídio como para assassinato. A polícia não chegou a nenhuma conclusão. Eu também não.


RESENHANDO - Como se distanciar de casos pavorosos, como o trucidamento da família Kubitzky? 
EF – Não há que se distanciar de casos pavorosos. O repórter escreve sobre qualquer caso.


RESENHANDO - Cobrir este caso teve alguma consequência em sua trajetória, pessoal e profissional?
EF – Na história do assassinato da família Kubitzky, cuja reportagem faz parte do meu livro, fiquei impressionado com a brutalidade do crime, mas isso não impediu que eu escrevesse uma grande reportagem sobre a tragédia. O caso não teve nenhuma consequência para a minha carreira.


RESENHANDO - Era comum, na época em que era repórter, citar as pessoas pelo tom de pele. Acredita que a patrulha do politicamente correto pode atrapalhar na elaboração de um bom texto? 
EF – O patrulhamento do politicamente correto é coisa de quem não tem o que fazer. Às vezes, beira à irracionalidade. Outras vezes, à estupidez. Não vejo mal nenhum, quando necessário, em descrever características físicas ou fisionômicas de um personagem: alto, baixo, negro, branco, gordo, magro, feio, bonito, simpático, antipático. O leitor só tem o nome do personagem, não sabe quem é, como é, e precisa ser informado disso. Não se deve sonegar informações ao leitor.


RESENHANDO - De alguma maneira, em alguma dessas reportagens publicadas no livro, você deixou o profissional de lado e passou a agir como personagem, inserido na reportagem - mesmo que não tenha escrito isso?
EF – O repórter deve manter distância emocional do fato ou corre o risco de escrever um texto apaixonado ou parcial. Sempre que puder, ele deve ouvir as duas partes, publicar as duas versões da história. No meu caso, algumas vezes me envolvi, mas isso deve ser evitado. Não lembro, entretanto, de ter prejudicado alguém, mesmo envolvido na história.


RESENHANDO - O que é preciso ter em mente para elaborar uma grande reportagem?
EF – Uma grande reportagem nasce de uma ideia, de um fato, de uma informação. Para elaborar uma grande reportagem, é preciso tempo, apoio financeiro do jornal e espaço para a publicação. Uma grande reportagem exige cuidado na apuração, pesquisas, entrevistas e um texto, no mínimo, acima da média.


RESENHANDO - Você ocupou quase todos os cargos de uma redação: repórter, redator, pauteiro, chefe de reportagem, editor e secretário... 
EF – Ocupei, realmente, na minha carreira, todos os cargos de uma redação, menos o de diretor. Mas foi sempre por curtos períodos e logo que podia voltava às ruas para fazer o que mais gostava: reportagem. Fui essencialmente repórter policial.


RESENHANDO - Esse jornalismo "à moda antiga", nos tempos de hoje, colabora com o estereótipo do jornalista no imaginário popular - aquele que passa por cima de tudo e todos em busca de um furo de reportagem?
EF – O furo de reportagem não tem mais o sentido de antigamente por causa da quantidade de informações e os novos meios de comunicação. São tantos os casos criminais e de corrupção que um jornal pode dar um furo por dia se quiser. É só escolher um caso que não interessou aos concorrentes. Muitas vezes, o furo de reportagem está ligado ao jornalismo investigativo. Quanto ao comportamento do repórter, ele tem que ser ético em qualquer trabalho, não importa tratar-se, ou não, de um furo de reportagem.


RESENHANDO - Em tempos de internet, ainda é possível fazer grandes reportagens?
EF – Eu acho que é possível e há leitores para elas, desde que o tema escolhido seja interessante e bom o texto do autor, capaz de levar o leitor até o fim da matéria. A internet não concorre com os jornais impressos em termos de grandes reportagens.


RESENHANDO - Jornalismo é uma profissão que infla egos? 
EF – Toda profissão infla o ego, o “eu” de cada indivíduo, desde que exercida com amor e satisfação. A vaidade é inerente à natureza humana e o jornalista não escapa disso. O produto final de um trabalho, quando aplaudido, infla o ego do repórter e o torna feliz.


RESENHANDO - O que pensa sobre a não-obrigatoriedade do diploma para jornalistas?
EF – A faculdade de Jornalismo não forma necessariamente um bom jornalista. Ela apenas o prepara para a vida e a carreira. Bons jornalistas saíram dos meios acadêmicos e bons jornalistas foram autodidatas e não frequentaram nenhum curso universitário. Não sou a favor da obrigatoriedade do diploma para jornalistas, mas entendo que a faculdade o ajudará muito, assim como, se tiver tempo, ele deve cursar duas faculdades: uma de jornalismo e outra de sua livre escolha.


RESENHANDO - Pensa em escrever outros textos, além das matérias, como um romance?
EF – Todo jornalista é um escritor em potencial. Escrevi um livro e, se tiver tempo e condições, escreverei outros, entre eles um romance policial.


RESENHANDO - Por que, com uma trajetória tão marcante no jornalismo, resolveu se tornar advogado?
EF – Quando me aposentei, após 30 anos de trabalho como jornalista, e já formado em Direito, passei a advogar na área criminal, talvez porque tenha sido repórter policial durante tanto tempo. Precisava ganhar dinheiro para sobreviver. Então fui advogar. Depois, convidado a lecionar, tornei-me professor do Curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, onde fiquei 16 anos. Agora sou escritor. A vida é assim mesmo e a luta continua.

Livro: Por Trás da Notícia - O Processo de Criação das Grandes Reportagens 
Autor: Edson Flosi
Editora: Summus Editorial
Site: www.summus.com.br

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