sexta-feira, 2 de março de 2012

.: Entrevista com Seu Jorge, cantor, “o cara mais legal do mundo”

“Nossa proposta é mostrar que o Brasil também é um país com preocupações de primeira, além de ter problemas de terceiro mundo” - Seu Jorge


Da reportagem
Em março de 2012


Oficialmente, “o cara mais legal do mundo” - Confira a entrevista de Seu Jorge.


Seu Jorge é dono de uma façanha que talvez apenas nomes como Roberto Carlos e Ivete Sangalo alcancem: ele conversa com todas as classes. Ele costuma apresentar em reuniões com publicitários os resultados de uma pesquisa de imagem que encomendou para constatar que fala com as classes A, B, C e D. “É uma figura que não tem rejeição. Homens, mulheres, jovens, velhos, gays, héteros: todos simpatizam com Seu Jorge”, revela Ralph Choate, diretor da agência de comunicação Bigman. Choate o contratou em 2009 para fazer duas campanhas da marca Pool, da Riachuelo.

Hoje, o cantor vive um momento de mudanças. Foi assim que ele definiu, na edição de agosto da revista ALFA, que trouxe uma reveladora entrevista com ele. Agora, Seu Jorge desvenda a alma para os leitores do Resenhando.com, em uma entrevista que concedeu, ano passado, por ocasião do lançamento do CD “Seu Jorge & Almaz”, que foi uma parceria com os integrantes da banda Nação Zumbi. 

Ele mudou de casa e de bairro, do Pacaembu para o Morumbi, se separou da esposa e anunciou que o novo álbum “Músicas Para Churrasco – Volume 1”, lançado em julho, marcou a despedida do ritmo que o alçou à glória, o samba rock de “Burguesinha” e “Mina do Condomínio”, hits que o levaram à lista dos 50 artistas que mais faturaram com direitos autorais no país em 2009. “Estou cansado de ser o único representante de um gênero que nem eu consigo definir. Posso fazer mais pela música”, disse, à revista ALFA.

O último álbum de Seu Jorge, até então, se saiu bem, assim como todos os anteriores que bateram recordes de vendas, mesmo em tempos de crise da indústria fonográfica. “Músicas Para Churrasco...” é o disco mais povão da carreira do cantor, com letras como “A Doida”, que fala de um homem que paga a conta de uma moça na noite – “E ela no Absolut, misturando ice, uísque e Red Bull”. Não é a primeira vez que marcas de bebidas servem de inspiração para o cantor. Em 2007, ele compôs para a cachaça Sagatiba a música “Eterna Busca”. Na ocasião, recebeu pela encomenda. Desta vez, afirma que não é uma campanha.

A edição da revista ainda afirmou que o cantor vai virar erudito. Ele já começou a compor um álbum de voz e violão com orquestra, em parceria com o maestro Miguel Atwood-Ferguson, de Los Angeles. “Quero viajar o mundo com o maestro, a partitura e só. Tocar com todas as filarmônicas, depois vir para o Brasil. Imagina o prefeito de Nova York me recebendo? É isso que desejo para a minha vida”, diz.

De família pobre, de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, Seu Jorge virou sonho de consumo das burguesinhas. Depois dos shows, brinda com Veuve Cliquot. Na garagem de sua casa guarda uma Lamborghini Gallardo, um Mustang GT e um Porshe Panamera S. Quando questionado se está rico, balança a cabeça em negativo e fala que não se dá ao luxo nem de comer sobremesa. ”Comprei os carros porque preciso estar preparado para o caso de algum diretor me chamar para fazer um filme de ação”, diz.



RESENHANDO - Sendo um dos artistas mais conceituados no exterior, o que sobrou de periferia em você?
Seu Jorge - Tudo. Está tudo lá. A gente sai da favela, mas a favela não sai da gente, não, já dizia Mano Brown. Quando eu olho para a minha infância, eu vou lembrar daquilo lá. Não vou me lembrar do Morumbi, eu nunca estive lá quando era moleque, nem de Ipanema, eu não sei nem nadar (risos).

RESENHANDO - Todo músico conhece o ditado de que um CD não se termina, ele se abandona. O que você pensa sobre isso?
S.J. - Eu continuo ouvindo. Na minha carreira, por exemplo, o CD “Seu Jorge & Almaz” é o melhor disco que eu já fiz, e penso vagamente que virão outros. Espero que sim! E que a criatividade nos ajude. Porque inspiração é uma coisa importante e é uma coisa que a gente tem que cuidar. 


RESENHANDO - Como cuidar do processo criativo no dia a dia, para manter o “deus da música” com você?
S.J. - Eu acredito que esse “deus” é mantido com alegria e com desobstrução dos problemas também. Tem de ter disposição física, porque, por exemplo, se você tem três concertos, não adianta estar bem para fazer o de amanhã e o de depois de amanhã. Você pode não conseguir fazer direito porque deu tudo no primeiro, aí você está com lentidão física. Acho que tem de ter uma preparação para tudo. A gente que trabalha com música, por exemplo, um guitarrista não pode ter tendinite na mão, não pode ter problema nesse sentido, no braço, ele tem que estar fisicamente disponível. Então, tem uns cuidados que a gente tem de tomar, físicos e espirituais até, para a fertilidade poder acontecer.


RESENHANDO – Você pretende voltar para o cinema?
S.J. - Sempre! Poxa, é uma felicidade muito grande, dez anos se passaram, e fazer parte de um grande filme brasileiro, depois de “Cidade de Deus”, “Tropa de Elite 2”, com uma participação muito pequena. Mas eu estou muito feliz com o que eu fiz, do resultado.


RESENHANDO - Você assustou em “Tropa de Elite 2”!
S.J. - Foi muito legal, muito importante, e gostei da repercussão desse filme justo porque vem colocar a situação do Rio de Janeiro e até do Brasil de uma forma geral, como a problemática da política de segurança, a corrupção. É um filme investigativo, que trata desse assunto sem “alisar cabelinho” de ninguém. Acho que da minha contribuição e a de todo mundo envolvido nessa obra, saiu o sucesso desse trabalho. Graças a Deus, eu também tive sorte nos roteiros que escolhi e espero que cheguem mais filmes para estudar.


RESENHANDO - Interpretar um marginal é um papel que não tem nada a ver você. Como que surgiu todo aquele ódio?
S.J. - A Fátima Toledo ajuda bastante. Eu já tinha trabalhado com ela e, uma vez, o Padilha chegou e falou: “Pois é, eu queria que você fizesse uma ponta, uma participação pequena”. E eu falei: “Ah, não tem nada não! Eu só quero dois dias com a Fátima Toledo”. E ele falou: “Como? Está todo mundo correndo dessa mulher e você quer?”. Aí falei: “Eu sei o resultado que eu vou ter com ela”. E tive dois dias com a Fátima, que na verdade foi um só, porque o outro foi com a equipe dela.


RESENHANDO - Você se preparou em um dia só?
S.J. - É, um dia só com ela. Mas eu entendi o contexto e, do jeito que ela contou para mim, absorvi aquilo rápido.


RESENHANDO - Ela é brava?
S.J. - É nada! Ela é intensa, séria, mas brava... não. Ela consegue tirar ou colocar em você as coisas que ela precisa no filme e você tem que estar aberto, senão fica difícil, porque os exercícios são intensos, machuca às vezes. Eu fazia parte do Comando Vermelho e tinha que fazer os exercícios com o BOPE, então o pau comia mesmo, a porrada rolava. A gente se machucava e tinha que sair para “tomar uma” depois, senão você leva para o hotel, sabe? Aquele negócio, você trata todo mundo mal, é horrível. 



RESENHANDO – Alguma história marcou mais durante as gravações?
S.J. - Eu me lembro muito do Leandro, do Zé Pequeno. Vou contar uma história rapidinho. Foi a primeira vez que vi Fátima. Ela me botou na cadeira e falou: “Quem é você?”. Eu respondi: “Eu sou o Seu Jorge”. Ela rebateu: “Não. Eu quero o cara, você mesmo! Conte sua história”. E aí, quando eu estava contando minha história, de repente, eu estava chorando e ela falou: “Traz o Leandro aí!” e botou ele para rodar. Eu na frente dele, ela virou para mim e falou: “Pega a galinha!”. E eu falei na hora: “Não!”. E ela, de novo: “Pega a galinha!”. Na hora, o pau comeu e eu não tinha força. Ela virou e falou no telefone: “Está pronto! O cara está pronto!”. Então, foi mais ou menos assim e foi maravilhoso. Aconselho a qualquer um ir lá e procurar a Fátima, se tiver um filme pra fazer!


RESENHANDO – “Tropa de Elite 2” teve uma estreia em circuito internacional. Como vê isso para o cinema nacional?
S.J. - Importante. Não deu mais para “O Senhor dos Aneis”, não deu mais para o “Homem Aranha”, não teve pra ninguém. E é a nossa casa, a nossa terra, então é importante a gente também ter. Vamos bater palmas para o Vik Muniz, que concorreu ao Oscar com o documentário dele (“Lixo Extraordinário”), um projeto reconhecido. É o cinema no Brasil imprimindo a nossa marca, desde “O Quatrilho”, que tem essa evolução no cinema brasileiro, Lulinha Carvalho, Ricardo de La Rosa, Padilha, Walter, Fernando Meirelles... 


RESENHANDO – Quais são os grandes nomes do cinema nacional na atualidade?
S.J. - Estamos no início de uma década que ainda tem muita água para descer. O cinema brasileiro está imprimindo essa independência. Wagner Moura, que teve atuações brilhantes nos dois “Tropa de Elite”. Rodrigo Santoro, fantástico ator, que já está no cenário internacional... Alice Braga também... Eu estou beliscando meus filmes fora do Brasil. A dona Fernanda Montenegro, por favor, não vamos deixar de falar dessa mulher que é reconhecida e respeitada no mundo inteiro por todos os filmes e por tudo o que faz. O Padilha, que criou “Tropa de Elite” completamente independente, e depois as companhias chegaram, a mesma coisa com Fernando Meirelles. Isso é uma atitude, é o mercado se regulando, é uma cena de um horizonte para um Brasil que está se preparando para uma economia um pouquinho mais forte e, quem sabe, até no futuro o cenário político venha proporcionar mais investimento em cultura.


RESENHANDO - Com relação ao Almaz, você tem receio de comparações do público com seus projetos anteriores?
S.J. - Desculpe, mas vou ter que até usar um termo. Quem tem medo de cagar não come, né?


RESENHANDO – Como surgiu o projeto do CD “Seu Jorge & Almaz”?
S.J. - Começou em 2008, nada foi focado. Descobrimos a sonoridade juntos, a gente tocava cantando, dando canja. O Antonio fez músicas para “Cidade de Deus”. Eu já tinha feito esse filme, e descobrimos a sonoridade juntos. A gente notou que, naquele momento, o Brasil não tinha muito, fora a “Nação Zumbi”, grupos que tinham essa preocupação com a música, sonoridade. A gente falou: “Vamos nos encontrar amanhã, depois do expediente. Cada um traz meia dúzia de cerveja, capitais do Vinícius, vamos ouvindo e a gente vai gravar”. Em uma semana gravamos, acho que umas 18 canções. E, em sete, oito dias, a gente gravou. Muito rápido e muito “relax”, era ao vivo, no estúdio do Antonio. É cômodo, confortável, o Pupillo estava em uma sala, eu, em outra, e Antonio e ele na cabine. Nós podíamos tocar ao vivo e as coisas, na maioria das vezes, foram tudo “good take". Tirando as músicas em inglês que ninguém fazia, não fala a língua, é complicado.


RESENHANDO - Foi difícil?
S.J. - Não, não foi, por que eu já tinha intimidade com as músicas. Mas tinha uma preocupação. O Antonio fala inglês desde criança, então ajudava na correção. O Mário Caldato, que é americano, ajudou na correção, no entendimento das palavras, e acho que foram só essas canções em particular que deram um pouquinho mais de trabalho, mas as outras saíram de primeiro take. O Mário adorou o projeto e fez a pós-produção, mas no momento, lá em 2008, eu, a Nação e o próprio Antonio tínhamos muitos compromissos, então tivemos que esperar um pouco e achar um momento. Quando foi em 2010, a “Now Again” com a “Stone Stroke” fizeram uma proposta. O Mário introduziu, o Lúcio sugeriu quem fizesse a capa e rapidamente acertamos e fomos para os Estados Unidos. Lançamos o disco lá depois tive a felicidade de soltar o disco no Brasil.


RESENHANDO - Como foi a receptividade do público com o “Almaz” no exterior?
S.J. - Incrível, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. A surpresa particularmente foi ver a receptividade da imprensa nos Estados Unidos. O público, já imaginávamos, mas a imprensa foi uma bela e grata surpresa. A gente teve as melhores rádios dos Estados Unidos e o prestígio de tocar ao vivo nessas rádios com um público ouvindo na hora, e também mídia especializada de música. Os lugares que a gente tocou também criou uma boa impressão. Na Europa já era mais fácil. Eu, pelo menos, estava bem em casa na Europa. A França foi majestosa com a gente, Inglaterra, enfim... Em todos os lugares que a gente passou recebemos carinho.
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