sexta-feira, 1 de outubro de 2010

.: Entrevista com Marco Ricca, ator e diretor

“A dificuldade não foi em produzir, mas em arrumar dinheiro”. - Marco Ricca


Por: Ester Jacopetti, repórter convidada
Em outubro de 2010


Do megasucesso “Ti Ti Ti” para a direção de “Cabeça a Prêmio”: Ator, Marco Ricca fala sobre as dificuldades na produção do seu primeiro longa metragem, “Cabeça a Prêmio”. 


Dirigindo seu primeiro longa “Cabeça a Prêmio”, o ator Marco Ricca, sem papas na língua, diz que a maior dificuldade de se produzir um filme nacional, é a falta de patrocinadores. “Os caras dão o dinheiro na hora que eles querem! Campanha política, e o caralho, desviando pra outros lugares, eu to falando tudo isso aqui, você pode anotar tudo!” esbravejou o diretor, que perdeu editais em São Paulo após alguns diretores paulistas reclamarem que o filme seria 90% rodado fora da cidade. 

Ricca, que já dirigiu inúmeras peças de teatro, se aventura pela primeira vez no mundo do cinema. Já tem 20 anos de carreira, atuou em 30 peças e filmes, foi co-produtor de quatro longas e roteirista de “Crime Delicado” (dirigido por Beto Brant). Seu mais recente espetáculo, “A Grande Volta”, dirigido por ele, é encenado por Rodrigo Lombardi e Fulvio Stefanini. Ricca também faz parte do elenco de “Ti Ti Ti”, novela da rede Globo. 

Com roteiro de Felipe Braga e participação de Marco Ricca, “Cabeça a Prêmio” é baseado no livro de Marçal de Aquino, mesmo autor de “O Invasor” e “Matadores”. No elenco, estão: Alice Braga, Eduardo Moscovis, Fulvio Stefanini, Cássio Gabus Mendes, Otávio Miller, César Troncoso, Via Negromonte, e o uruguaio Daniel Hendler. 

Ao escolher essa história pra contar, enfatizou: “Eu costumo dizer que o livro já está praticamente roteirizado, só que ele é um filme muito grande. E um dos métodos era fazer com que essa obra, coubesse dentro do cinema nacional, de baixo orçamento, baixo recursos, e todas as possibilidades que o livro pede” argumenta.

A história acontece numa cidadezinha do centro-oeste brasileiro, próxima à divisa com a Bolívia. Dois irmãos pecuaristas, vividos por Fulvio e Otávio comandam uma fazenda de cabeças de gados e contrabando de drogas. Alice Braga interpreta Elaine, filha do “poderoso” Miro, personagem de Fulvio, que se envolve sorrateiramente com o piloto do patrão Denis, personagem de Daniel Hendler. 

Após a descoberta do romance, Miro manda seus fieis pistoleiros, personagens de Cássio Gabus Mendes e Eduardo Moscovis, irem atrás da filha e do piloto, que fogem. Em “Cabeça a Prêmio” as histórias se cruzam e tomam finais inesperados. Confira agora um bate papo super descontraído com ator e diretor, Marco Ricca que, durante a entrevista, mostrou simplicidade, simpatia e bom humor.



RESENHANDO - Como surgiu a ideia de fazer desse livro um filme?
MARCO RICCA – Tudo nasce da obra do Marçal, que é um estilo que eu gosto muito. A gente começou a adaptar e já tinha uma primeira adaptação feita pelo Felipe, então começou uma nova brincadeira, que surgiu da vontade de contar a historia da vida desses personagens. A história eu gosto muito. Costumo dizer que o livro “Cabeça a Prêmio” já está praticamente roteirizado, só que ele é um filme muito grande, um dos grandes métodos era fazer como que essa obra coubesse dentro do cinema nacional, ou seja, com baixo orçamento, baixos recursos, e todas as possibilidades que o livro pede, inclusive a locação de lugares. 


RESENHANDO – O que mais o fascina nesta obra?
MR – O que mais me fascina nesse livro é que os personagens são grandiosos, dão margens a você verticalizá-los ainda mais, e possibilidade de ter vários atores em particular fazendo grandes trabalhos. Eu acho que é um filme de personagens para atores.


RESENHANDO - Quais foram as maiores dificuldades você sentiu?
MR – Não foi em produzir, mas, em “arrumar” dinheiro. Essa é única dificuldade do cinema nacional, o resto é lindo! E a viagem mais linda da minha vida foi fazer esse filme, tirando a parte de produção, arrumar dinheiro, etc.. Essa é a parte pior, e agora tem também a segunda, que é exibir, que também é difícil pra burro. Tirando esses dois, o resto é uma maravilha, nós nos debruçamos no roteiro, é um momento lindo, a gente cria, imagina, flerta, depois vai, faz viagens, leva a equipe de arte, fotografia, foi tudo lindo, com os meus amigos, uma delícia! A dificuldade é aguentar o fardo de estar longe de casa, mas isso não é necessariamente uma dificuldade, nos divertimos muito, por mais que estivéssemos contando uma tragédia familiar, foi um filme que corresponde pra mim o momento mais feliz da minha vida.


RESENHANDO - Você chegou pensar em participar do elenco? 
MR – Não! Tive a felicidade de escrever pensando em cada um desses atores, e a felicidade de convidá-los. Eles foram malucos de aceitar (risos). 


RESENHANDO - Como foi a escolha do elenco?
MR – Convidei meus amigos que, acima de tudo, são talentosos demais. Minha mãe, que amo demais também, não está no filme (risos). Eu chamei meus amigos talentosos e tive a felicidade de eles toparem.



RESENHANDO - Você já trabalhou com outras adaptações do Marçal, isso de alguma forma te intimidou?
MR – Eu trabalhei em “O Invasor” como ator, e no filme “Indelicado” a gente roteirizou. Querendo ou não, na minha historia no cinema, apesar de eu ter feito bastantes filmes, acho que o mais importante foi fazer “O Invasor”. A primeira vez que eu peguei um roteiro de cinema na mão, falei: “Meu Deus! Tem um roteiro aqui!”. Fiquei impressionado, era o roteiro do Marçal, vindo de uma obra ainda inacabada, que depois ficou lindo. Então começou uma parceria, e uma profunda admiração pela literatura do Marçal Aquino, depois viramos amigos, ele teve essa infelicidade (risos). E aí eu achei que, de alguma forma, seria um exercício natural, por mais que eu soubesse que poderia ser até perigoso, porque é muito próximo tudo isso. Entre nós existe muitos cineastas, poderia ser muito influenciável, existem temas nas obras do Marçal que perpassam pelas essas historias outros livros deles, que tem haver com o “Cabeça a Prêmio”. Então havia um risco, mas, também, um desejo de continuar essa parceria, que não vai acabar aqui.


RESENHANDO – Com o fato de o roteirista Felipe estar junto, no dia-a-dia, vocês trabalhavam no texto também?
MR – Totalmente trabalhando junto! O Felipe foi o meu grande parceiro no filme, essa é a verdade. Desde o começo, e revendo a tradução da legenda, quem fazia era ele. Teve uma hora que ele ia à minha casa, parecia um garoto, e agora ele virou quase o meu pai. E ele virou pai, inclusive (risos). Ele é muito dono desse filme, do roteiro, nessa viagem que a gente fez de locação fomos transformando o roteiro, apesar de já existir, e mudamos também durante a própria filmagem, o cinema é muito vivo. Lembro que tomava muita bronca da galera porque eu modificava muitas coisas, mas acho que se eu fizer o segundo vai ser pior, porque o cinema é vivo, é ali na hora, é onde a gente chega, acontece. Eu tinha uma qualidade de atores, não dava pra engessá-los e dizer: “façam isso”. É um filme que, de alguma forma, tenho de responder por ele, até pelos erros, mas, querendo ou não, é credenciado a todos nós, porque é muito coletivo.


RESENHANDO - Por que a escolha do Daniel Hendler?
MR – Porque ele é meu amigo também! (risos). E além do que, eu o admiro pra caralho. Ele é um dos grandes atores também. É impressionante o trabalho dele no meu modo de entender, um ator de inteligência rara. Ele estava louco pra estar aqui, mas também virou diretor, então ele está lançando, não conseguiu vir. Conheci o Daniel a partir de uma amiga minha, ao viajar para o filme “Via Láctea” pra Argentina, e passei uma semana com ele falando de futebol e outras coisas mais. Ficamos amigos, e voltei com a imagem dele na cabeça. Sempre tive vontade de flertar com essa coisa de latino-americano e, no livro, o personagem não é gringo, mas tive vontade de fazer com que fosse. Assim como o Sergio Troncoso, também nos conhecemos em festivais, virou meu amigo, e é um puta de um ator. Chamei pra fazer uma ponta e ganhou o filme todo, ele que não ia nem ter fala! Teve uma pessoa, uma vez numa entrevista, que me perguntou: “Marco, você é muito rico ou tem muitos amigos?”. Eu disse: “Tenho muitos amigos!” (risos). Porque olha a qualidade que eu tenho na mão, né?! Não dá pra pagar essa galera direito! (risos).


RESENHANDO - Sua carreira de ator teve alguma influência nesse seu primeiro filme?
MR – Fui cercado por uma equipe impressionante, fiz muitos longas, e todo mundo que estava lá eu já tinha trabalhado junto. Então é um filme que todo mundo comprou muito a briga e a ideia, essa foi a influência, a gente rouba um pouco de cada um, dos diretores, atores que eu trabalhei.


RESENHANDO - Você pensou muito em como os atores iam participar?
MR – O filme é de personagens! Se eu tenho orgulho de alguma coisa do filme é a unidade de interpretação, ninguém tem um momento de pensar “nossa escapou, não está direito”. Acho que talvez seja uma extensão natural, eu sou muito metido, e já tinha trabalhado com o Zé Bob em outros filmes como diretor de fotografia, que é um parceirão, e também fica fácil fazer filme com um cara desses. Eu poderia ficar em casa dirigindo, que estava tudo certo, mas, eu fui (risos)!


RESENHANDO - Por que você decidiu contar essa história, com personagens tão angustiados?
MR – É tão maluco isso, porque o livro do Marçal também tem muita coisa engraçada. A ironia perpassa a obra, mas o filme, querendo ou não, já tem um pouco isso. A adaptação carregou e conduziu pra uma coisa mais trágica. Quando eu falo trágico, no sentido que parece que a natureza conspirou contrariamente, não é apenas um drama familiar, não é só um quiproquó de falta de ideias. Obviamente a gente pegou personagens que estão em crise, que começam em uma derrocada. A primeira cena entre o Fulvio e o Otavio, eles falam que as coisas estão caindo, que tem de modificar a estrutura financeira, tem de parar... No fundo, no fundo, nós estamos falando de historias de amor que, às vezes, dão ou não certo. Existe uma má compreensão em relação ao personagem do Du. É angustiante porque a vida é angustiante mesmo! Vou ter que dizer que a vida é angustiante! To muito angustiado agora (risos).


RESENHANDO - Como foi relação de vocês todos durante as filmagens?
MR – Era muito louco, porque depois que a gente acabava as filmagens de 15, 16 horas, continuávamos conversando, bebendo. Era incrível a concentração às cinco horas da manhã no dia seguinte. Cada um tinha um desenho muito claro na cabeça, e muito difícil. Não sei se isso sou eu quem enxergo, talvez eu tenha generosidade, mas tem uma marca muito clara de cada artista. Se escorregar ali, pode virar uma marca de canastrice de quinta categoria, essa é que a verdade! É muito certeiro o trabalho de cada um, e é muito invejável é impressionante. 



RESENHANDO - Como a marca de um ator pode interferir em um trabalho?
MR – Você pega o trabalho do Otavio, que era um personagem muito perigoso, que poderia cair numa caricatura, o Du também, o Cássio que também trata tudo com humor, então na hora da merda põe uma piada. A gente estava o tempo todo concentrado, e isso é uma virtude, de chamar esse tipo de atores, e essa foi uma das minhas brigas também! O cinema nacional tem muito essa mania de lançar. Eu não quis lançar ninguém nesse filme, eu não tenho essa mania, “eu que lancei esse ator”. Esse é um filme de atores conhecidos pra caramba, só o Fulvio que está começando (risos). Grandes atores que desenvolveram o trabalho e embarcaram nos personagens.


RESENHANDO - Como foi a relação com o diretor de fotografia, Zé Bob?
MR – Tem uma coisa muito importante. O Zé é um diretor de fotografia, e essa relação, muitas vezes, no cinema, é a do cara que faz o serviço dele. Não tô falando da maioria, mas o Zé é um cara que interferiu muito no trabalho como um todo com os atores. Nós estávamos confinados com os atores que eu queria filmar, numa sala que era menor que esse tapete aqui (aponta para o objeto), então, a gente não queria um cenário, e nós demos um jeito. E o Zé teve que ensaiar, e a gente dentro daquele lugar que não cabia ninguém. Todo mundo teve de colaborar para que nós conseguíssemos fazer as filmagens, a fotografia. A equipe toda foi assim. Tivemos muito essa coisa de estender o tapete para os atores. Não o tapete vermelho, clamoroso, às vezes cheio de barro, de merda (risos).


RESENHANDO - E os patrocínios?
MR – Eu acho que os editais, assim como a iniciativa privada, que a gente tem que conhecer a pessoa, tem que jantar com o cara, edital também é feito por amigos de amigos e amigos, então eu acho que talvez a venda do segundo filme vá ser mais fácil. Eu ganhei alguns editais aqui em São Paulo, não só eu, mas outros diretores gritaram, e tiraram meu dinheiro, eu viajei com 700 mil reais a mais na minha conta pra gente fazer o filme, e duas semanas depois tiraram o dinheiro. Eu entrei nesse edital e todas as regras estavam claras, fui dar mão pro prefeito e secretário de cultura no domingo no Ipiranga, tirei fotografias com esses caras, e duas semanas depois tiraram o dinheiro que estaria entrando na conta. Tudo isso porque houve um grito de cineastas paulistas. Eles alegaram que, apesar de o filme ser feito por um paulista, com produção paulista, a maior parte do filme não seria feito em São Paulo. 


RESENHANDO – Isso o revoltou?
MR – Não foi só comigo, eu até poderia entender que estou começando agora, e meio que invadindo a praia deles. Do BNDS nós ganhamos um edital há um ano e meio atrás, e a primeira parcela foi feito agora, então o filme foi feito com dinheiro próprio, então se eu não tivesse uma grana pra arrumar, pegar emprestado, eu não estava com o filme pronto aqui. Os caras dão o dinheiro na hora que eles querem! Campanha política, e o caralho, desviando pra outros lugares, eu to falando tudo isso aqui, você pode anotar tudo! Se eles não quiserem me dar o dinheiro não tem problema não! Quer dizer, depois de um ano meio de ganhar o edital, eles vieram pagar a primeira parcela agora, depois que a gente começou a gritar! Isso é um absurdo, um desrespeito! E ai se tem gente que conhece não sei quem, pega o telefone, e libera o dinheiro, eu não conheço ninguém, não sou amigo de ninguém... Então é meio complicado! Eu tinha prometido falar sobre isso!

0 comments:

Postar um comentário

Deixe-nos uma mensagem.

Tecnologia do Blogger.