terça-feira, 2 de março de 2010

.: Kathryn Bigelow: A estrela do Oscar 2010

Kathryn Bigelow: a estrela do Oscar 2010
Por: Amanda Aouad*
Em março de 2010


Oscar 2010: Comentários da roteirista e publicitária, Amanda Aouad, sobre a maior festa do cinema. Confira o texto!


Já passava da meia-noite no Kodak Theatre, quando Barbra Streisand anunciou a quebra de um tabu. Coincidência ou não, em pleno dia internacional da mulher, pela primeira vez uma representante do sexo feminino venceu o Oscar de melhor direção. E não foi só isso. O filme de Kathryn Bigelow levou seis estatuetas das nove que concorria, tornando-se o grande vencedor da noite. O grande injustiçado, mais uma vez, foi Tarantino. Gênio incompreendido que ficou sem nenhuma estatueta. "Bastardos" só subiu ao palco representado pelo já esperado melhor ator coadjuvante: Christoph Waltz. 

No geral, a cerimônia foi morna, poucas surpresas como o melhor curta de animação para Logorama e o Oscar de filme estrangeiro para "O Segredo dos seus olhos", filme Argentino que desbancou o favorito absoluto A Fita Branca. Steve Martin e Alec Baldwin fizeram ótimas piadas e divertiam o público, mas no geral, as apresentações foram maçantes, repetindo o "Arquivo Confidencial" no anúncio dos Oscars de melhor atriz e ator. Teve uma bela homenagem aos que já foram, com James Taylor cantando "In my life" dos Beatles. E um especial para os filmes de Terror, pegando desde Nosferatu a... Crepúsculo (?), passando por clássicos como "O Iluminado", "O Exorcista", "Tubarão" e "Sexta-Feira 13". Mas, o momento mais marcante para quem viveu os anos 80 foi a homenagem a John Hughes. Diretor, produtor e roteirista que nos presenteou com clássicos juvenis como Curtindo a vida adoidado, Garota nota 1000, O clube dos cinco, A garota de rosa Shocking. Gostei de ver ainda Star Trek ser lembrado pelo menos em maquiagem. E adorei Up ter vencido em melhor trilha sonora, que é mesmo emocionante.

Apesar de dez concorrerem a melhor filme, três tinham alguma chance de levar, onde dois eram apostas precisas: "Guerra ao Terror" ou "Avatar"? Se Bastardos Inglórios ganhasse seria uma surpresa, mas não era tão improvável quanto qualquer um dos outros sete concorrentes. De certa forma, três filmes de guerra, cada um com seu estilo próprio e com algo a acrescentar à história do cinema. Bastardos Inglórios não inova, aliás, bebe na fonte dos clássicos do velho oeste, com a linguagem já registrada de Tarantino. Mas, é uma aula de cinema, por isso, merecia o título. Avatar traz uma grande inovação tecnológica, uma nova forma de filmar em 3D, um jogo de imagens ímpar que conseguiu até mesmo colocar legenda nas projeções dos filmes neste formato. A história, apesar de parecida com muitas, é bem contada, tornando o filme um clássico moderno desde seu nascimento. Já Guerra ao Terror é a surpresa da tensão realista com um ritmo eletrizante na montagem. Tudo é detalhadamente calculado para que fiquemos roendo as unhas na cadeira. No final, acho que o filme de Kathryn Bigelow representou bem a categoria. Assim como o título de melhor direção. Além do tabu quebrado, soube representar a classe com maestria, escolhendo os ângulos certos e gerando o suspense necessário para o filme. 

Já entre os atores, não teve muita surpresa. Quando a gente pensa na categoria melhor ator e melhor atriz, sempre vêm em mente grandes interpretações, de tirar o fôlego com cenas de catarse. Nem sempre é assim. Às vezes, a melhor interpretação é aquela que passa naturalidade simplesmente. Você acredita estar vendo o personagem e não um ator interpretando um personagem. Jeff Bridges, além de uma carreira sólida e ascendente, consegui dar veracidade ao cantor country e alcoólatra que busca uma reabilitação. Mereceu, apesar de Jeremy Renner, por Guerra ao Terror e Morgan Freeman, por Invictus também serem boas apostas. A polêmica veio mesmo na categoria de melhor atriz. Sandra Bullock tinha fãs ardorosos e críticos ferrenhos. Não é a toa que se tornou a primeira atriz a “ganhar” o Framboesa de Ouro em um dia, e o Oscar no outro. A verdade é que nenhuma das cinco indicações foi fenomenal, nem mesmo a eterna estrela Meryl Streep. Bullock acabou sendo beneficiada por um papel diferente do costume. 

Já melhor ator e atriz coadjuvante eram os prêmios mais certos da noite. Não conheço uma só pessoa que não concorde que Christoph Waltz mereceu o Oscar de ator coadjuvante. Ele é a alma do filme, interpretando Hans Landa tornou Bastardos Inglórios ainda melhor de ser visto. Já a comediante Mo’Nique levou não apenas pela atuação, como pelas concorrentes. Anna Kendrick e Vera Farmiga estão bem em Amor sem Escalas, mas nada que justifique um prêmio. Já Penélope Cruz é uma das piores coisas de Nine, no próprio filme você encontra interpretações melhores. Maggie Gyllenhaal, por sua vez, estava esquecida em outras premiações e surgiu no Oscar como zebra da vez, uma boa atriz, mas sem muito destaque no filme.

Uma premiação estranha foi a de melhor roteiro. O que é um melhor roteiro? Normalmente é aquele que você não percebe na tela, afinal, a função do filme é fazer com que você entre naquele universo sem ser lembrado a todo momento que está assistindo a uma obra fictícia. A economia narrativa, os pontos de virada, a preparação para o clímax, tudo tem que ser estudado com muita técnica, assim como os diálogos, uma arte a parte que poucos conseguem escrever sem ser artificial. Por isso, a classe briga tanto com diretores que insistem em querer roteirizar seus filmes. Mas, claro, há exceções. Se existe uma coisa que Tarantino já provou é que é um bom roteirista. Todos os seus filmes têm uma capacidade ímpar de contar histórias e com Bastardos Inglórios não é diferente. A forma como as narrativas se cruzam, as sátiras ao nazismo, as brincadeiras com as línguas e o jeito alemão de ser. Sem dúvidas merecia o prêmio. Dá-lo a Guerra ao Terror, não chega a ser uma injustiça, já que é um bom roteiro, mas dói ao ver um gênio não ser reconhecido. 

Já o melhor roteiro adaptado me incomodou mais. Apesar de ter vencido o prêmio do Sindicato dos Roteiristas e estar cotado entre os favoritos, o roteiro de Preciosa não tem nada demais. Chega a ser bobo em sua teia clichê do melodrama clássico. Ao contrário de seu concorrente direto Amor sem Escalas. O que me encantou neste roteiro foi a capacidade de brincar com os clichês e lugar comum, construindo uma história envolvente desde a primeira cena. Tudo ali é bem amarrado e faz completo sentido. 

Outra categoria certa era animação. Talvez por isso, tenham inovado na apresentação dos concorrentes com uma divertida simulação de entrevista com os personagens principais. Apesar de ser o primeiro ano em que a categoria tem cinco indicados e que todos eles são excelentes produções, Up - Altas aventuras é a animação da vez. A Pixar em parceria com a Disney criou uma jornada diferente que foca suas emoções em relações humanas. A primeira parte do filme é esplêndida, o amor entre Carl Fredricksen e sua esposa é lindo. A entrada do pequeno Russell também é muito interessante, criando uma relação avô-neto linda. Tudo desanda, ao meu vêr, com a entrada do vilão e seus cachorros falantes, o que era uma inovação incrível virou o maior dos clichês. Por isso eu preferia todos os outros quatro filmes da categoria, apesar de compreender a qualidade técnica do filme, que teve inclusive uma indicação na categoria principal. O Fantástico Sr. Raposo é uma boa fábula, repleta de surpresas, gosto bastante. Fico feliz também em ver uma produção como Coraline não ser esquecida. Comemoro a volta dos clássicos Disney com A Princesa e o sapo. E vibro com a lembrança a uma produção franco-belga como O Segredo de Kells, a grande surpresa do ano para mim, adorei a experiência.

A vitória de Guerra ao Terror, com seis estatuetas, mostra que tecnologia não é tudo no cinema. Claro que o 3D está aí para encher nossos olhos e levar novos adeptos à sala de projeção, mas a arte cinematográfica é um conjunto de técnicas que não podem estar desequilibradas. Isso faz pensar sobre o futuro do meio e talvez, possa frear um pouco essa onda em terceira dimensão que invadiu os estúdios. Ainda há espaço para um bom filme em 2D. Outra lição fica para os distribuidores brasileiros, que em uma miopia incrível tinham lançado Guerra ao Terror direto no DVD e tiveram que fazer um relançamento às pressas no cinema. Prova de que prêmio pode não mudar a opinião do espectador, mas é uma boa ferramenta de marketing junto a propaganda boca-a-boca. 


* Roteirista e Publicitária. Escreve o blog http://www.cinepipocacult.com.br

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