segunda-feira, 1 de março de 2010

.: Entrevista com Bruno Bispo e Victor Freundt, quadrinistas

“Existe uma ligação daquilo em que você está escrevendo com sua visão de mundo. Quanto mais eu consigo colocar elementos da minha vida ou da forma em que vejo a vida nos personagens, mais eles parecem reais para mim.” - Bruno Bispo


“Todo mundo quando se apresenta diz: sou médico ou sou engenheiro e você? Eu respondo: Eu desenho. Sim, mas você faz o quê? Sou professor de história em quadrinhos! Trabalhar como desenhista é muito complicado." - Victor Freundt

Por: Tatiane Matheus

Em março de 2010


Uma conversa aberta com os quadrinistas Bruno Bispo e Victor Freundt, criadores da minissérie de terror SEIS 6 e do site www.arquivosbaldo.wordpress.com. Confira a entrevista!


Eles poderiam ser mais um daqueles caras que amam histórias em quadrinhos e que deixam suas ideias de HQ’s inacabadas em uma gaveta. Bruno Bispo e Victor Freundt tiveram coragem para transformar suas histórias em realidade. Em março, Bispo e Freundt publicaram mais uma HQ na Europa, estrearam uma página de HQ de humor em uma revista paulistana e colocaram mais quatro HQ’s curtas no site. Em breve, irão lançar um novo site para agrupar todas as HQ’s que estão produzindo.

Tudo começou no dia 6 de junho de 2009. Neste dia, o detetive Miguel Matoso “saiu da gaveta” para mais de 95 mil pessoas que acessaram o site www.arquivosbaldo.wordpress.com. Durante seis meses, os leitores da dupla, até então desconhecida, acompanharam a minissérie de terror SEIS6. Dois meses depois da estreia na web, foram convidados a publicarem uma HQ na revista portuguesa, Zona Negra. Para a surpresa daqueles que acreditavam que a dupla só fazia terror, em março, publicaram uma HQ de temática infantil na Revista Zona Fantástica, de Portugal e outra de humor na Revista Young. 

Os quadrinistas: Bruno Bispo, formado em Artes Plásticas, trabalha como professor de Artes em escolas estaduais e municipais em Santos e no Guarujá, litoral de São Paulo. Já Victor Freundt, formado em Publicidade e Propaganda, trabalha como professor de HQ na Escola Oficina, em Santos.


RESENHANDO - Quando vocês começaram a pensar em fazer quadrinhos?
VICTOR FREUNDT - Com 11 anos já lia muito quadrinhos e tive um clique de que poderia contar histórias com arte. Enfim, poderia transformar imagem em história. Entre 1999 e 2000, vi que era o que eu queria como profissão.
BRUNO BISPO - Minha mãe me dava HQ’s quando eu era criança, pois acreditava que estimulava a leitura. Quando era pequeno gostava de ler e desenhar. Ao ler HQ’s com a narrativa parecida com a de um filme, passei a me interessar na estrutura necessária para contar uma história.


RESENHANDO - Apesar de gostar desde pequenos de fazer HQs, vocês não buscaram isso como uma profissão na hora de prestar vestibular. Por quê?
VF - Pensei muito em fazer Artes Plásticas, mas minha mãe achava que Publicidade ia dar mais dinheiro. Pensei que iria aprender a fazer ilustração e criação de embalagem, mas aprendi muito sobre marketing e produção de eventos. Tinha de aprender a vender merda como se fosse Toddy! Aí decidi voltar para os quadrinhos e fiz vários cursos.
BB - Prestei jornalismo porque gostava de escrever e de criar histórias. Só que quando cheguei na Cásper (Faculdade Cásper Libero), vi que aquilo não era o que eu queria para minha vida. Então fiz Artes Plásticas. Quando terminei a faculdade, fiz um concurso para professor e passei. O primeiro ano foi bem complicado. Eu entendia os alunos bagunceiros, pois fui um. Mas isso não facilitava para eu dar as aulas.


RESENHANDO: Seus professores foram vingados?
BB - Acho que sim. Paguei meu carma. (Freundt dá uma longa gargalhada). Dá aula também é uma forma de arte. É algo meio teatral. Convivo com pessoas de idades bem diferentes e observar como elas agem no dia-a-dia me ajuda na hora de escrever, pois dá para perceber as nuances do ser humano.


RESENHANDO: Muitos desistem dos quadrinhos por ser uma área muito difícil. Como é o mercado de trabalho?
BB - Há uma piada boa que diz: “quando eu era mais novo, eu tinha 15 amigos desenhistas, agora todos eles são advogados”.
VF - Meu amigo João Vitor, que fazia HQ’s comigo, hoje é advogado. Quando encontrei com ele há poucos dias, disse: “estou brincando de ter uma profissão e você de terno e gravata!” Todo mundo quando se apresenta diz sou médico ou sou engenheiro e você? Eu respondo: Eu desenho. Sim, mas você faz o quê? Sou professor de história em quadrinhos! Trabalhar como desenhista é muito complicado.


RESENHANDO: Como se conheceram?
VF - Na casa do nosso professor de quadrinhos, o Junior, há uns dez anos. Muitos personagens da SEIS6 nós criamos naquela época.


RESENHANDO: É muito difícil trabalhar juntos?
VF - É um casamento sem sexo e aliança. Ainda bem! (Freundt dá outra gragalhada)
BB - Tem momentos difíceis na hora da criação da história e muita cobrança na hora da montagem, mas sempre buscando o melhor produto final. Ajuda muito sermos amigos nessa hora, pois sabemos que podemos contar um com o outro. Mesmo quando a tensão aperta não levamos isso para o lado pessoal, pois é tudo para um bem comum.


RESENHANDO: Victor, seu traço de desenho é bem característico. Principalmente, a maneira que você desenha os narizes de seus personagens..
VF - Eu me identifico com a luz e sombra do expressionismo. Conheço muitos artistas, mas tive algumas crises com o meu desenho até achar algo que desse uma identidade para ele.. Um exemplo são os narizes e queixos. Certa vez vi o trabalho de uns grafiteiros que faziam uns narizes engraçados. Gostei e também comecei a brincar com isso. Quando comecei a fazer narizes fálicos e queixos que pareciam uma bunda, muita gente detestou. Mas achei super legal.


RESENHANDO: Bruno, quem acompanha o seu trabalho, percebe que os personagens que você escreve sempre estão questionando algo. Isso tem a ver com seus pensamentos?
BB - Não é algo planejado. A história vai se formando na medida em que vou escrevendo e conversando com o Victor. A primeira pergunta é: o que eu quero contar? Depois vêm as imagens que usaremos para contar essa história. A primeira ideia é como se fosse um sonho, algo abstrato. Existe uma ligação daquilo em que você está escrevendo com sua visão de mundo. Quanto mais eu consigo colocar elementos da minha vida ou da forma em que vejo a vida nos personagens, mais eles parecem reais para mim.


RESENHANDO: Como vocês conseguem administrar o tempo de vocês para fazer as HQs?
VF - Desenhar não é um dom divino, é preciso estudar, pois nada no desenho é feito por acaso. É um trabalho que consome muitas horas. Uma página desenhada e finalizada demora de 7 a 12 horas. À tarde faço os estudos que tenho de fazer e de madrugada desenho.
BB - Comecei a estabelecer horários dentro da carga horária do meu trabalho para que eu possa me dedicar aos quadrinhos. Tiro os domingos de manhã para escrever. Na época que estávamos fazendo a SEIS6 cheguei a virar muitas madrugadas de finais de semana nas páginas da HQ.


RESENHANDO: A internet é um meio importante para divulgar a arte em geral?
BB - Somente quando montamos o site na internet que começamos a receber oportunidades de participar de outros projetos, como exposições e workshops além de convites para colaborar em revistas independentes. A internet também expande o conceito criado nos quadrinhos, podendo conter outros materiais como vídeos e áudios que complementam a experiência proposta pela HQ.


RESENHANDO: Quais artistas influenciaram o seu trabalho?
VF - Frank Miller em Sin City é genial. O traço de Mike Mignola, no Hellboy, é muito interessante. O Lourenço Mutarelli tem um jeito muito especial de conduzir a arte dele, como também os argentinos Eduardo Rizzo e o Alberto Breccia. Eles trabalham muito bem a luz e sombra expressionista.
BB - Acho que o primeiro trabalho que me chamou a atenção para o roteiro foi o Asilo Arkham, do Grant Morrison, até hoje minha maior influência de roteiro. Outro criador que considero genial é o Alan Moore. Watchmen, V de Vingança e o Monstro do pântano mudaram a forma como eu via a criação e o roteiro. Gosto muito dos livros do Neil Gaiman também. Hoje, procuro comprar HQ’s dependendo de quem as escreve, não importando muito o personagem da história, mas sim quem está por trás do roteiro.
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