quarta-feira, 3 de junho de 2009

.: O teatro rodrigueano em Vestido de Noiva

Por: Mary Ellen Farias dos Santos
Em junho de 2004


Os detalhes e as surpresas da boa narrativa.


Imagine-se em um teatro de luzes apagadas. "Buzina de automóvel. Rumor de derrapagem violenta. Som de vidraças partidas. Silêncio. Assistência. Silêncio". É assim que começa a peça Vestido de Noiva (1943), de Nelson Rodrigues. O jogo de luzes e som, além da ruptura temporal entre real, alucinação e memória (mudança de cenários) são fatores que causam em certo estranhamento no espectador, mas ao mesmo tempo o aproximam, pois é necessário que cada detalhe seja bem entendido.

É neste jogo de espaço e tempo que Nelson Rodrigues prepara o espectador. Contudo, marcante acontece. O uso deste recurso não limita o espectador, pelo contrário o faz fica próximo dos fatores para depois juntar a compreender a perturbadora história da jovem Alaíde. Na transgressão de tempo, ação e espaço o espectador vive com Alaíde o conflito, caminhando paralelamente com as emoções da personagem. Com a ruptura temporal Nelson Rodrigues cria um teatro perturbador, cheio de reflexões. E nos deixa várias perguntas que para serem respondidas é preciso criar uma lógica. É ao juntar a 'mensagem' que pode-se perceber o quanto Nelson Rodrigues cutuca a sociedade de classe média, burguesa, em que a aparência era mais importante (sociedade hipócrita).

É por meio das reflexões de Alaíde que o espectador passa a conhecer a verdadeira Alaíde, mulher reprimida que só tem coragem de ser livre quando está entre a vida e a morte (alucinando). Neste estado Alaíde vive o conflito com Madame Clessi, mulher por quem ela se apaixonou, por ser livre, uma prostituta. Enfim, Vestido de Noiva é uma peça em que o afastamento do decoro ao invés de distanciar o espectador, os acontecimentos simplesmente aproximam ainda mais o espectador.

História: Alaíde é uma jovem inconformada com as convenções sociais que reprimem a mulher. No entanto, a jovem só opõem-se a estas convenções enquanto alucina. Com seu poder de sedução manipula as pessoas e rouba os namorados da irmã. Alaíde casa-se com Pedro, que junto de Lúcia planejam e desejam com intensidade a morte de Alaíde. A jovem encontra o diário de Clessi, uma prostituta, antiga moradora da casa de Alaíde, é aí que ela se vê apaixonada por esta mulher que viveu livremente e teve coragem de fazer tudo o que desejava. Um dia um acidente de automóvel leva Alaíde. Pedro e Lúcia casam-se, mas a 'presença' de Alaíde na hora do casamento é percebida quando Lúcia pede o buquê, e "Alaíde, como um fantasma, avança em direção da irmã, por uma das escadas laterais, numa atitude de quem vai entregar o buquê. Clessi sobre a outra escada. Uma luz vertical acompanha Alaíde e Clessi. Todos imóveis em pleno gesto. Apaga-se, então, toda a cena, só ficando iluminado, sob uma luz lunar, o túmulo de Alaíde. Crescendo da Marcha Fúnebre. Trevas".

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