sexta-feira, 1 de maio de 2009

.: Entrevista com Arnaldo Antunes, cantor e poeta

"Eu gosto e quero me manter inquieto até o fim". -  Arnaldo Antunes

Por Patrick Selvatti

Em maio de 2009


Os dons culturais daquele que busca definir sinteticamente as possibilidades da palavra. Confira a entrevista com Arnaldo Antunes!


O paulistano Arnaldo Antunes, 49 anos, ex-Titãs e ex-Tribalistas, estudou Letras na USP e teve como referência em seu trabalho a chamada poesia de vanguarda, nome genérico para uma gama de correntes e tendências poéticas surgidas notadamente a partir da década de 50, das quais sem dúvida, das mais importantes, pelo caráter original e instauradora de uma prática renovadora da produção poética, é a poesia concreta, que abriu um leque de possibilidades criativas que trouxe muita empolgação nos anos 60.

Com o conceito de verbivocovisualidade, Arnaldo, assim como os concretos, busca definir sinteticamente as possibilidades da palavra neste tipo de poesia. Além da palavra enquanto signo oral e escrito, cores, formas e o próprio espaço eram elementos de composição. 

Um bom exemplo é Augusto de Campos, cujo poema Acaso, de 1963, é fundamentado nas possíveis permutações de letras dessa palavra. Outro exemplo está no poema O pulsar, que Caetano Veloso musicou, cujos versos dizem o seguinte: “Onde quer que você esteja/ Em Marte ou Eldorado/ Abra a janela e veja/ O pulsar quase mudo/ Abraço de anos-luz/ Que nenhum sol aquece/ E o oco escuro esquece”. Leia a entrevista:



RESENHANDO – Como é essa história de se gravar ao vivo em estúdio?
ARNALDO ANTUNES - Quando fiz o disco Qualquer, queria que fosse um show ao vivo gravado, mas isso não deu para viabilizar na época, então a gente acabou fazendo um disco de estúdio. Mas eu ainda tinha o desejo de fazer um lance num lugar pequeno, que tivesse um ambiente íntimo, com as pessoas sentadas no chão bem pertinho. Daí, falei: "Vamos voltar pro estúdio. Já que a gente fez um ao vivo no estúdio, vamos fazer no estúdio ao vivo". Primeiro porque oferece uma situação de grande intimidade. Segundo, pelas condições de poder captar aquilo com a melhor qualidade de som e imagem. E ficou engraçado porque as pessoas ou fazem discos ao vivo ou fazem discos de estúdio. E a gente fez uma situação que é um híbrido: é um show, mas aparece o estúdio, a mesa de som... 


RESENHANDO – Você brinca muito com as palavras e talvez esteja aí o segredo do seu sucesso...
ARNALDO ANTUNES - O código verbal é como se fosse um porto seguro de onde eu parto pra visitar outros códigos. Eu faço música, faço canções, uso a palavra cantada. Faço trabalhos visuais, palavras para serem lidas e vistas ao mesmo tempo. Faço vídeo, a palavra falada em movimento... Eu faço canções que têm o uso da palavra associada a todo um universo musical.


RESENHANDO – Letra ou música: qual é a sua preferência? 
ARNALDO ANTUNES - São linguagens diferentes, veiculadas por meios diferentes, mas como as duas lidam com as palavras (escritas ou cantadas, lidas ou ouvidas), acabo fazendo pontes entre elas. Gravo discos e publico livros, e acho que o trânsito entre essas atividades vem se tornando vez mais fluente. Eu gosto de caligrafia, sou apaixonado por essa coisa da caligrafia desde muitos anos atrás. O meu primeiro livro era todo caligráfico, eu fiz uma exposição de caligrafia no começo dos anos 80... Aí sempre fui fascinado pela escrita antiga oriental, essa tradição milenar, árabe, chinesa, que é maravilhosa. Acabei sempre pensando essa coisa caligráfica como uma forma de entonação gráfica que sugere sentidos para além do que o discurso verbal está dizendo, você teria uma expressividade através da maneira como escreve, curvatura do traço, do tremor da mão...


RESENHANDO – Existe diferença no processo de criação de uma poesia e no de uma música?
ARNALDO ANTUNES - Não. Existe uma ponte entre as atividades. Geralmente, a produção já tem o seu destino meio certo. Já sei se é algo para ser cantado ou para ser publicado ou se é algo que traz junto uma idéia visual e pode se tornar algo gráfico. No entanto, há exceções. Pode haver contrabando de uma área para outra. Idéias que tive para um poema visual podem acabar como canção ou, até mesmo, animação. Há um território comum em todas os tipos de produção. Trabalho com a palavra em si e isto possibilita uma conversa entre as diferentes linguagens. Esta questão do trânsito de códigos entre diferentes linguagens é um terreno muito fértil. Paralelamente aos Titãs fiz livros. Participei de exposições e publiquei três livros enquanto estava na banda: o Psia, Tudos e As Coisas. No momento em que saí dos Titãs tudo se juntou mesmo projeto que foi O Nome. A poesia e a música se juntaram numa terceira linguagem: o vídeo. A partir de então esses diálogos entre diferentes linguagens começaram a ser a cada vez mais constantes.


RESENHANDO – O que você está ouvindo, lendo e assistindo ultimamente?
ARNALDO ANTUNES - Eu leio muita coisa diferente, eu não gosto muito de responder isso porque acabo tendo que eleger algumas pessoas em detrimento de outras. Eu não tenho um poeta preferido ou um escritor preferido. Eu gosto de muita coisa diferente, então, fica complicado eleger. Li recentemente e achei muito interessante o livro do Augusto de Campos. O Augusto talvez seja o poeta que mais me impressione atualmente, no Brasil. Talvez seja ele o mais completo. Acompanho com muito gosto tudo o que ele produz. No cinema, também encontro inspiração. Meus cineastas preferidos são os franceses Jean-Luc Godard e François Truffaut, o italiano Michelangelo Antonioni e os brasileiros Júlio Bressane e Glauber Rocha.


RESENHANDO – Qual sua relação com os Titãs hoje?
ARNALDO ANTUNES - Somos amigos e parceiros. Não mudou nada porque cada um seguiu seu próprio caminho.


RESENHANDO – Você tem fome de quê?
ARNALDO ANTUNES - Ah, de um monte de coisas... Eu gostaria de saltar de pára-quedas: tenho vontade e ainda vou fazer. Eu gosto e quero me manter inquieto até o fim. Talvez o mundo empresarial exija mais segurança, estabilidade e conforto, mas criatividade e inovação são fundamentais para o sucesso de qualquer empreendimento.


RESENHANDO – Sua parceria com Marisa Monte e Carlinhos Brown nos Tribalistas foi um estouro. Haverá, um dia, uma continuação?
ARNALDO ANTUNES - A repercussão dos Tribalistas foi surpreendente pra todos nós. Vendeu muito, tocou muito no rádio, teve uma penetração absurda. E isso foi maravilhoso. Há frutos disso que são colhidos por nós três. Mas ficou nisso. Nossa parceria prossegue até hoje, mas sem o rótulo popular de Tribalistas.


RESENHANDO – Qual a sua cor preferida?
ARNALDO ANTUNES - Quando eu era criança, verde. E eu me apeguei a isso e acho que continua sendo, mais por um apego com essa coisa da infância. 

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