quinta-feira, 1 de março de 2007

.: Resenha de "A Hora da Estrela", Clarice Lispector

Macabéa repaginada
Por: Mary Ellen Farias dos Santos

Em março de 2007


A fantástica história da nordestina Macabéa em edição de luxo, publicada pela Editora Rocco, traz as desventuras cariocas deste "astro" em dois CDs com texto integral do romance.


Um encanto de personagem que chega aos 30 anos. Macabéa, a alagoana, protagonista de "A Hora da Estrela", ganha merecida homenagem da Editora Rocco. Como assim? A obra de despedida de Clarice Lispector, lançada pouco antes da morte da escritora, em 1977, ganha edição especial, com novo projeto gráfico e dois CDs contendo o texto integral do romance na voz do ator Pedro Paulo Rangel e participação da cantora Maria Bethânia (narração da dedicatória do autor).

A trama dupla conta os últimos dias de vida da jovem de 19 anos, Macabéa e de Rodrigo S. M., o escritor da história que está condenado a uma doença terminal, isto é, o alter-ego de Clarice Lispector, que diz: "Eu não inventei essa moça. Ela forçou dentro de mim a sua existência. Ela não era nem de longe débil mental, era à mercê e crente como uma idiota. A moça que pelo menos comida não mendigava, havia toda uma subclasse de gente mais perdida e com fome. Só eu a amo". 

Este autor alter-ego com firmeza e riqueza de detalhes, relata a vida triste e sem perspectiva desta moça que pontua sua vida de solitário e silencioso desespero com as informações do Você Sabia? da rádio Relógio, sinistro metrônomo a comandar o ritmo inútil de seus últimos dias de vida. 

Felicidade? Para Macabéa parece que isto não lhe é permitido, pelo menos em vida. Quem era? Jamais soube, pois "se tivesse a tolice de se perguntar, cairia estatelada e em cheio no chão. É que 'quem sou eu?' provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto". A alagoana chega a ser "tão tola que às vezes sorri para os outros na rua. Ninguém lhe responde ao sorriso porque nem ao menos a olham".

Contudo, a vida estéril de Macabéa ganha um sopro de esperança e alegria quando entra em cena a cartomante Carlota que lhe prevê uma maravilha: o casamento com um estrangeiro rico. No entanto, "o que amadurece plenamente, pode apodrecer". Eis que em sinistra ironia, Macabéa termina sob as rodas de um automóvel de luxo: um Mercedes-Benz. Acontece a explosão final: A Hora da Estrela.

É no decorrer de seus derradeiros dias de vida que a nordestina sofre "explosões", iguais às estrelas. Este, que é um corpo de forma esférica, formada por uma massa de gases incandescentes, mantidos juntos por sua própria gravidade, ou seja, astro dotado de luz própria, observável sob a forma de um ponto luminoso. O período de vida depende da massa e da luminosidade: uma estrela muito luminosa pode ter vida de apenas um milhão de anos, porém a idade máxima de nossa estrela, Macabéa, é de 19 anos.

"Faltava-lhe o jeito de se ajeitar. Tanto que (explosão) nada argumentou em seu próprio favor quando o chefe da firma de representante de roldanas avisou-lhe com brutalidade (brutalidade essa que ela parecia provocar com sua cara de tola, rosto que pedia tapa), com brutalidade que só ia manter no emprego Glória, sua colega, porque quanto a ela, errava demais na datilografia, além de sujar invariavelmente o papel".

De fato, "que cada um a reconheça em si mesmo porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro, tem pobreza de espírito, ou saudade por lhe faltar mais coisa preciosa que ouro - existe a quem falte o delicado essencial". Sem dúvidas, vale a pena conferir esta edição especial de A Hora da Estrela!

FILME: A história de Macabéa foi transportada para o cinema pela diretora Suzana Amaral em 1985, num filme hoje considerado clássico e que foi consagrado como recordista de premiações no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro ao arrebatar 12 troféus. Além disso, revelou a atriz Marcélia Cartaxo, consagrada com o Urso de Prata do Festival de Berlim de 1986, e foi um dos filmes nacionais mais vistos no exterior, por ter sido vendido para mais de 20 países.

CDs: Para a versão em áudio dessa que é a obra máxima de Clarice Lispector, foi escolhido o ator Pedro Paulo Rangel, consagrado como o maior especialista brasileiro deste tipo de transposição do texto literário para o teatro com a peça Soppa de Letra, idealizada e interpretada por ele, com a qual conquistou o Prêmio Shell de Melhor Ator de 2004. Seu magistral trabalho de leitura é complementado pela participação especial da cantora Maria Bethânia, que narra a dedicatória do autor. Fã incondicional de Clarice, a cantora, desde o começo de sua carreira, sempre intercalou a leitura de trechos de livros da escritora às canções que interpretava em seus shows.


Livro: A Hora da Estrela
Autora: Clarice Lispector
120  páginas
Ano: 2006
Projeto Gráfico: Isabel Barreto
Editora: Rocco

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