terça-feira, 2 de janeiro de 2007

.: Entrevista com David Yallop, escritor, autor de “O Poder e a Glória”

“O que me preocupa, no papel que a Igreja Católica tem na evolução humana, é como eles têm mentido” - David Yallop

Por: Helder Miranda
Em janeiro de 2008




O Poder e a Glória: Para David Yallop, o papa João Paulo II foi colocado no Vaticano com a ajuda dos comunistas poloneses. Nesta entrevista exclusiva e histórica, ele fala sobre legalização das drogas, João Havelange, paz mundial e que Bush não é inteligente.


Falar com um escritor internacional tão polêmico e controverso como David Yallop não é uma das tarefas mais fáceis, pensei ao me preparar para o que eu ainda não sabia: seria uma de minhas grandes entrevistas. 

O receio de minha parte era justificado: ele escreveu um livro para afirmar que o processo de descaracterização do futebol começou com a eleição de João Havelange, muitos outros com temáticas tão sisudas, e agora estava de volta com o livro “O Poder e a Glória” (Planeta). Neste lançamento, baseado em informações da CIA, KGB e do próprio Vaticano, afirma que João Paulo II, interessado em difundir a palavra da Igreja tanto quanto exercer influência política, deixou boa parte de seu pontificado imerso em sombras e interrogações. 

Só restava o nervoso de perguntar alguma bobagem, ou cruzar a linha tênue de ultrapassar os limites de algum “assunto proibido” que só os grandes entrevistados têm, mas a atenção que o próprio David Yallop deu a mim – um (ainda) jovem editor do Resenhando –, enquanto outros (poucos, afinal livros são livros no Brasil) veículos da grande imprensa esperavam com velados sinais de impaciência, me desarmaram completamente. 

O que você vai conferir aqui é o encontro de alguém muito simpático, sorridente e atencioso, mas extremamente controverso que, com seu sotaque britânico, respondeu o porquê das revelações assustadoras e as acusações repercutirem tanto. Nesta entrevista exclusiva, falamos também de seus outros livros (em sua maioria publicados pela editora Record) que partiram para outros assuntos como legalização das drogas e paz mundial. Antes, um surpreso Yallop pediu para que eu desligasse o gravador e me interpelou. “Não esperava por essas perguntas, você é meu leitor?”. O que disfarcei com um sorriso amarelo, afinal, não era eu o entrevistado.



RESENHANDO – O que os leitores podem esperar do seu livro (O Poder e a Glória)?
David Yallop – Grandes surpresas. A personagem João Paulo II e seu papado vão causar uma transformação. 


RESENHANDO – Que tipo de transformação?
D.Y. – A Igreja Católica existe há mil anos e hoje seu efeito é menor do que em qualquer outro tempo, ela tem menos influência hoje do que jamais teve. O número de fiéis diminuiu e a população se mudou da Itália, da Espanha, dos Estados Unidos... Os números não param de cair! 


RESENHANDO – Mas há lugares em que os números não diminuíram...
D.Y. – Os únicos lugares em que os números crescem são América Latina e África. E o que os preocupa aqui é a Igreja Evangélica, que vem crescendo nos últimos dez, 15 anos. Muitas pessoas estão deixando a religião Católica e indo para a Evangélica.


RESENHANDO – Qual o maior dos segredos que seu livro revela?
D.Y. – Depende da leitura, porque existem vários segredos revelados no livro. O que este livro faz? Ele simplesmente desmistifica João Paulo II e a história contada pelo Vaticano. Disseram que ele salvou a vida de muitos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, que trabalhou em condições escravas durante a segunda guerra, mas ele não salvou a vida de nenhum judeu, nem trabalhou em campos escravos. Ao contrário, trabalhou em regime assalariado, tinha acesso a médicos, comida. A mais importante prova, que revela que ele nunca esteve no front ou posto em um campo de concentração, é o carro que ele possuía, o que significa que João Paulo II estava engajado em um trabalho muito importante. 


RESENHANDO – O que o senhor quer dizer com isso?
D.Y. – Ele tinha total proteção, assim como outros que faziam parte deste trabalho. E essa é uma imagem diferente da que o Vaticano nos dá. Então, em termos de segredos, são muitos. 


RESENHANDO – Por que o senhor afirma em seu livro, que foram os comunistas que colocaram João Paulo II no poder?
D.Y. – Ele não poderia ter sido nomeado Papa sem o suporte do regime comunista da Polônia. 


RESENHANDO – Por quê?
D.Y. – João Paulo II era bispo na Polônia, e havia uma vaga para arcebispo. O regime comunista tinha de aprovar quem fosse ocupar a vaga. Não era como na China, que nas vagas de bispo e cargos inferiores, se o governo não aprova, eles não existem... Até hoje esses homens têm de ser nomeados pelo regime Chinês, mas lá, o regime comunista tinha total controle. Então, a Igreja selecionou três nomes e João Paulo II não era um deles. 


RESENHANDO – E o que essa informação comprova exatamente?
D.Y. – O homem no controle, que rejeitou os três nomes apontados, sugeriu outros nomes. Talvez eles tenham indicado uma dúzia de nomes, e o regime não aprovou. Então alguém do regime falou para a Igreja que eles continuariam a rejeitar os nomes até que fosse colocado o nome de João Paulo II, porque ele não tinha preferências políticas. O futuro Papa vivia tranqüilamente e, após ter seu nome sugerido, ficou com a vaga. Sem ser arcebispo, nunca poderia ter se tornado cardeal, e sem ser cardeal, nunca poderia ter se tornado Papa. Os comunistas, na essência, colocaram ele no lugar.


RESENHANDO – Como a igreja católica tem acompanhado a evolução humana?
D.Y. – O que me preocupa, no papel que a Igreja Católica tem na evolução humana, é como eles têm mentido. Na América Latina, mentem sobre os líderes dos países. O papa João Paulo II foi o único que foi ao Chile, conhecer Pinochet, nenhum outro líder religioso daria esse crédito a ele. João Paulo II deu apoio ao presidente Reagan, nos anos 90. Naquela época, se ele tivesse reprovado a política na América Central em público, creio que muitos poderiam ter sobrevivido.


RESENHANDO – Em sua opinião, qual foi o Papa com papel mais importante?
D.Y. – Posso dizer, com muita facilidade, que foi João XXIII, que direcionou a Igreja católica para o século XX. Foi ele o responsável por muitas reformas. No meu coração, foi João Paulo I, que exerceu a função de Papa por apenas 33 dias. Penso que ele foi assassinado antes que pudesse colocar sua proposta em prática. 


RESENHANDO – O que mudaria, se ele as tivesse colocado em prática?
D.Y. – Uma das coisas que ele iria fazer, e já tinha anunciado para seu secretário, era fazer uma varredura no banco do Vaticano, que estava sendo movimentado de forma corrupta. Outra iniciativa era liberar as políticas de natalidade da Igreja. Tenho anotações sobre isso em outro livro meu, “Em Nome De Deus”, que mostram quais eram os reais pensamentos dele sobre controle de natalidade. Se ele tivesse vivido, teria construído um novo conceito de concepção para a Igreja Católica. Um dos maiores problemas do mundo é a superpopulação, um fatos que contribuem para o aquecimento global, considerado o maior problema da atualidade. Quando nasci, em 1937, havia menos de três bilhões de pessoas e, no meu tempo de vida, esse número mais que dobrou.


RESENHANDO – Há manipulação no número de fiéis contabilizado pelas religiões?
D.Y. – A Igreja maquia o número de fiéis. Assim como se faz na época de eleição, existem muitas pessoas que nasceram no Brasil, e em outros países, que são registrados como católicos porque seus pais seguem essa religião, mas essas pessoas não praticam o catolicismo. A Igreja ainda conta como número de fiéis pessoas que não seguem os preceitos: os que têm uma relação fixa sem estarem casados, homossexuais que mantêm relações sexuais com parceiros do mesmo sexo e divorciados... Há muitas coisas que você não pode fazer, mas eles continuam como membros da Igreja para manter os números altos. 


RESENHANDO – No seu livro “Como Eles Roubaram o Jogo”, o senhor afirma que o processo de descaracterização do futebol que começou com a eleição de João Havelange para a presidência da FIFA. Por quê?
D.Y. – João Havelange nunca recebeu salário, enquanto presidente da FIFA, e se orgulha muito disso. Ele disse que não recebia salário, só reembolso do que gastava, mas seus gastos eram entre dois e três milhões de dólares ao ano! E eram gastos que muitas vezes não tinham a ver com seu trabalho. Enquanto escrevia esse livro eu fui a conferência da FIFA, e já sabia que estavam comprando votos na eleição para o novo presidente, no mundo todo. Eles planejaram comprar 20 votos. Porque quando você vai a países como Quênia ou qualquer país do leste da África, 50 mil dólares, é uma quantidade imensa de dinheiro. Um homem na África poderia garantir a segurança de sua família por 50 mil dólares. Eles compraram votos até em países da União Soviética. Eles gastaram 1 milhão de dólares. Essa eleição abriu as portas para a movimentação de outros negócios envolvendo altas quantias de dinheiro. João Havelange trouxe muito dinheiro para a FIFA porque ele abriu as portas para uma grande soma de dinheiro. Não há nada de errado com isso, a princípio, contanto que você utilize o dinheiro de forma apropriada. 


RESENHANDO – Qual a maneira apropriada de usar esse dinheiro?
D.Y. – Um exemplo de como realmente eles não usaram o dinheiro de forma correta, quando eu estava no Rio para pesquisar sobre o livro que você citou, andei pelo parque do Flamengo e havia garotos de cinco a 20 anos jogando futebol. Eu procurava por um homem que iria entrevistar, que não consigo lembrar o nome agora, um jogador profissional que se machucou e não podia mais jogar, mas sempre teve o sonho de ajudar aos jovens carentes e se dedicava ao trabalho com jovens carentes. Então, ele fundou uma “escolinha” de futebol, gratuita, para jovens da favela. Ele foi tremendamente bem-sucedido nisso. Essa escola tinha níveis, como na escola, e ele tinha os garotos progredindo. O homem, então, fotografou alunos que viraram profissionais famosos. E eles jogavam com uma bola muito velha, cheia de papel, tinham camisetas, doadas, somente para dias de jogo. Esse homem ele foi até o Ricardo Teixeira (presidente da Confederação brasileira de Futebol – CBF) e disse: “eu produzi todos esses jovens, que se tornaram bons e trouxeram crédito ao nome do nosso país e não recebo nada... nem bolas, nem equipamentos... nada!”, e a CBF recebe milhões de dólares. Teixeira, que estava embolsando dinheiro, tanto que não cabia mais em seus bolsos, disse ao jogador que mantinha a escolinha: “não, eu não posso ajudá-lo!”. Essa é apenas uma das histórias sobre Ricardo Teixeira. 


RESENHANDO – Mas em um livro inteiro sobre futebol, existem outras...
D.Y. – De fato. O Brasil estava jogando nas classificatórias da Copa contra a Colômbia ou Uruguai, e só as duas melhores continuariam e Teixeira foi ver o homem que dirigia a Federação do Equador para ver quais eram as chances deles contra o Brasil. E a única vantagem deles era jogar na altitude. E Ricardo Teixeira disse: “ajudaria se eu desse dinheiro?”. E o equatoriano disse: “quanto dinheiro você pretende me dar?”, ao que ele respondeu: “25 mil dólares”, que é muito dinheiro no Equador, mas o equatoriano disse que isso não ajudaria muito, mas 50 mil ajudaria muito mais. Então, eles mudaram o local da partida e o jogo não foi realizado na altitude. 


RESENHANDO – O tráfico e o uso de drogas são o tema de seu livro “Aliança Profana”. Por que o cartel das drogas tem tanta influência na América Latina?
D.Y. – A América culpa a Colômbia e a Bolívia pelo alto número de viciados em drogas, mas esse problema não existe se houverem consumidores. Entrevistei chefões do tráfico enquanto escrevia esse livro e concluí que eles não se importam com as conseqüências das drogas que vendem, não têm essa moralidade. Quando tem a ver com a família deles, aí sim, são bem moralistas, já que ninguém se droga. Eles, que comandam os negócios, também não podem se drogar. Apesar da grande quantia de dinheiro que possuem, são obrigados a viver discretamente para não chamar a atenção. Afinal, fazem algo ilegal. 


RESENHANDO – Nesse contexto, a guerra contra as drogas pode ser vencida?
D.Y. – Para mim, a guerra contra as drogas não pode ser vencida. Pelo menos, não pelas políticas que estão sendo aplicadas no mundo. O único meio de vencer a guerra é legalizar todas as drogas. 


RESENHANDO – De que forma a legalização das drogas pode ser o caminho?
D.Y. – Quando o álcool era proibido nos Estados Unidos, as pessoas gostavam da proibição porque as pessoas conseguiam a bebida a qualquer hora. Quando legalizado, ficou muito mais difícil de comprar. “Até o Fim do Mundo” é um livro dedicado a todos aqueles que estão perdendo para a luta contra as drogas. Não estou dizendo que as pessoas devem sair às ruas vendendo drogas livremente, porque sabemos os danos que ela pode causar, tanto para as pessoas quanto para a economia. Esse dinheiro poderia construir escolas públicas, hospitais, etc.


RESENHANDO – Em seu livro “Aliança Profana”, o senhor faz uma minuciosa investigação sobre a infiltração terrorista em diversas esferas governamentais que liga tragédias que marcaram a história recente do mundo. Ainda existe a possibilidade do mundo, hoje, viver em paz?
D.Y. – Como poderia haver paz? No Oriente Médio, a chave para a paz serão os palestinos. E isso só será resolvido quando o governo israelesnse for maduro o suficiente para dar aos palestinos ao menos uma parte de seu território de volta a eles. Em um mundo perfeito, eles voltariam a 1967. Para haver paz, os israelenses precisam devolver essas terras. Veja, o Osama Bin Laden também é um problema gigante. Ele quer tirar os americanos da Arábia Saudita, mas ele prejudica a Palestina. Nenhum líder palestino nunca falou com ele, mas todos associam seus atos e ataques aos palestinos. Logo, Osama Bin Laden só prejudica a imagem dos palestinos. A situação exige governos maduros e um presidente americano inteligente, tipo de gente que não se encontra na casa Branca há algum tempo.

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