sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

.: Entrevista com Gabriel, O Pensador, rapper e escritor


“A poesia e a literatura são irmãs da música, mas são mais intimistas, mexem com a emoção de um jeito diferente” - Gabriel O Pensador

Por: Eduardo Caetano

Em dezembro de 2006



Gabriel Contino, rapper e pensador por vocação, foi criado na classe média alta e desde cedo foi acostumado com o universo da fama já que sua mãe, Belisa Ribeiro, era apresentadora do “Jornal Hoje” na década de 80 e casada com o ator Marcos Paulo, um de seus padrastos. Gabriel talvez fosse mais um garoto da burguesia carioca, se não fosse a amizade com garotos da favela da Rocinha, parceiros de surf nas praias do Rio. Conviver com pessoas de lugares, culturas e contas bancárias tão diferentes fizeram com que Gabriel enxergasse um outro lado da sociedade, sobretudo suas diferenças e semelhanças. Foi aí que se tornou Gabriel O Pensador, cantando e compondo rap.

Estourou nas paradas musicais em 1992 com a música “Tô Feliz! Matei o presidente”, meses antes do presidente Fernando Collor ser afastado de seu cargo por denúncias de corrupção. Consagrou-se como artista e lançou sete álbuns: Gabriel O Pensador; Ainda é Só o Começo; Quebra-Cabeça; Nádegas a Declarar; Seja você mesmo, mas não seja sempre o mesmo; MTV ao Vivo – Gabriel o Pensador; e Cavaleiro Andante. 

Na literatura lançou a autobiografia “Diário Noturno” e o livro infantil “Um garoto chamado Rorbeto”, que lhe concedeu o Prêmio Jabuti 2006 e o trouxe a Santos para participar da Feira Nacional do Livro da Baixada (FENALBA) 2006 e do projeto “Terceiras Terças” do SESC. O nome Rorbeto é escrito errado de propósito porque fala sobre o analfabetismo do pai do garoto. Rorbeto tem medo de sofrer preconceito porque tem um dedo a mais na mão direita, justamente a mão que faz a letra mais bonita de toda classe. Assim como definiu um de seus álbuns, Gabriel continua sendo o ele mesmo, com sua personalidade marcante, bem-humorado, postura crítica e sua visão apurada de denúncia social. Entretanto, não é sempre o mesmo, já que se atualiza e se renova com o tempo, com a maturidade e com os novos desafios que a vida lhe apresenta como a literatura, a paternidade e as mazelas sociais cada vez mais afloradas na vida do povo brasileiro.



RESENHANDO –  Gabriel, você participou do projeto “Terceiras Terças” e da Fenalba 2006, ambos em Santos , por conta do livro infantil “Um garoto chamado Rorbeto”, que te concedeu o Prêmio Jabuti 2006. Comente um pouco sobre o livro.
GABRIEL O PENSADOR - Gostei de participar da FENALBA, do bate-papo aí com a galera! E do “Terceiras Terças, no SESC. O livro conta a história do Rorbeto, para rimar com analfabeto. Rorbeto é um menino que descobriu um dedo a mais na mão direita e sofre por isso. As coisas foram acontecendo sem que eu planejasse. Fui fazendo e foi tomando vida própria. No livro falo sobre o medo que as pessoas, sobretudo as crianças, sentem de sofrer pelo preconceito dos outros. O medo de ser diferente e não ser aceito por isso.


RESENHANDO – E por que você decidiu escrever um livro infantil?
GABRIEL O PENSADOR - O livro nasceu meio de improviso, de brincadeira. Meu primeiro filho ainda era bebê quando eu comecei a desenvolver a idéia, há uns três anos. Quando eu escrevi o texto, com certeza teve uma influência direta dele e era uma coisa que eu tava escrevendo com prazer, como tantas outras que ficavam incompletas e esquecidas. Só que essa eu comecei a gostar tanto do texto, da historinha do Rorbeto, que eu quis concluir. Quis transformar em livro e publicar. Estou gravando músicas também para crianças. Não tem nada a ver com o livro, mas tem sido bem divertido. O disco sai ano que vem.



RESENHANDO – Este já é o seu segundo livro, antes você havia lançado a autobiografia “Diário Noturno”. O que há de semelhante e de diferente no seu estilo de fazer música e literatura?
GABRIEL O PENSADOR - Eu, como músico, começo pelas letras muitas vezes. Um método diferente da maioria dos músicos. Eu sou mais poeta na maneira de fazer música, como a maioria dos rappers também. Na poesia acaba sendo uma coisa mais intimista, não tem a batida, não tem o som, não tem a confusão depois do show. É irmã da música, mas mexe com a emoção de um jeito diferente. Estou descobrindo um pouco mais a poesia. Leio em público, mas ainda fico um pouco tímido, em alguns casos. 


RESENHANDO – Várias músicas tuas fizeram sucesso, estouraram, mas têm outras, tão geniais quanto, que pouco tocaram nas rádios e nem apareceram nos programas de TV. Gabriel, você acredita que a mídia te deve algum espaço? 
GABRIEL O PENSADOR - Isso não tem regra, né? A gente lança os trabalhos, mas uma música toca mais, agrada mais. Já outra as pessoas curtem, mas não tem tanto sucesso. Não tem essa dívida. Ninguém deve nada, ninguém deve espaço a nenhum artista. É uma questão de sorte, de acaso ou uma estratégia de marketing de uma gravadora. Eu não tenho esta postura de lamentar porque essa música tinha que ter tido mais espaço que a outra. Eu fico satisfeito porque de uma forma ela tá aí, gravada, e as pessoas têm acesso.


RESENHANDO – Você estourou com a música “Tô Feliz! Matei o presidente” em 1992, você “mataria” o presidente hoje? Qual sua visão política atualmente?
GABRIEL O PENSADOR - Quando eu falava em matar o presidente era uma morte política. E o impeachment aconteceu devido às denúncias tão pessoais envolvendo o Fernando Collor, que era o alvo daquela crítica. O Lula decepcionou porque o governo dele não foi combativo quanto à corrupção. Ele pode ter tido méritos em algumas coisas, mas em relação a isso foi uma decepção, já que um partido que nunca tinha sido governo e acabou aceitando uma prática que não foi iniciada por ele, a gente lembra que já acontecia no governo anterior e em outros, mas talvez a gente esperasse um combate ou uma postura diferente. E ele com esta maneira de se defender e não se envolver acabou sendo, como pessoa, não tão envolvido quanto o Collor. É uma coisa que ficou muito mal explicada, virou até piada com este negócio dele dizer que não sabia de nada, a gente sabe que é uma maneira dele escapar da responsabilidade e hoje a gente faz política de outra maneira. Aquela era uma música que surgiu na época, “Tô feliz! Matei o presidente”, era bem agressiva. Hoje eu já entendo um pouco mais, eu sei que não é só o presidente que faz política, tem o Legislativo que é muito importante e também tem muita corrupção. Tem o Governo Federal, o Judiciário, o Governo Estadual e o Municipal. É uma coisa muito mais complexa. Por isso hoje eu não farei uma música pessoal contra o Lula, mas eu continuo criticando quando acho que devo criticar. O artista tem que ter independência, saber elogiar na hora que merece, mas também criticar, sem medo, o que tiver errado.


RESENHANDO – Em uma declaração, a Regina Casé disse que “a alegria é uma opção política e revolucionária”. E falando em alegria, você sempre usa humor nas tuas músicas, você acredita que o humor facilita para passar tua mensagem?
GABRIEL O PENSADOR - Boa pergunta! Acho que é uma postura que o brasileiro tem dentro de si mesmo. Eu até fui a Angola e vi que a gente herdou muito isso do africano. É um jeito de encarar as dificuldades sem perder a vontade de sorrir e de ser feliz. Eu acho que isso tem um lado que é bom, mas também a gente vê que tem um lado passivo demais em certos casos. Comparando com outros países da América Latina, eles protestam mais, têm uma postura mais combativa. É uma juventude que tem uma participação mais ativa. E a gente aqui, com o nosso carnaval, com o nosso jeitão muito alegre às vezes perde nisso também. Eu acho que é uma questão de equilíbrio e na crítica, como você falou, eu acho que o humor pode ser uma ferramenta.


RESENHANDO – Vendo a história do Rorbeto, lembrei da música “Mário”, que conta a história de um jovem que se torna revolucionário. Você já pensou em transformar alguma música em livro.
GABRIEL O PENSADOR - Não, nunca pensei, mas acho que o clip tem um pouco disso, de contar aquela história. Várias outras músicas minhas contam a história de vida de alguns personagens, como “Mário”, “Pátria que me pariu” e “Cachimbo da Paz”. Isso é interessante. Talvez “Um garoto chamado Rorbeto” vire uma peça infantil, é um projeto ainda.

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