domingo, 2 de julho de 2006

.: Finalistas do concurso de teledramaturgia da Rede Record

Seis entre 69: porque você ainda vai ouvir falar muito deles

Por: Helder Moraes Miranda
Arte: Rômulo Roberto

Em julho de 2006



Finalistas do concurso de teledramaturgia da Rede Record falam sobre tudo, inclusive televisão.



Se a história não fosse contada apenas pela ótica dos vencedores, o mundo hoje seria melhor. Eles não conquistaram o prêmio máximo do concurso de Teledramaturgia da Rede Record (http://www.rederecord.com.br/hotsites/
concursonovela/default.asp), que incluía uma considerável quantia em dinheiro e possível contratação, mas ficaram entre os 69 finalistas que receberam menção honrosa, além dos três que primeiros lugares, dos 600 roteiros enviados para concorrer à premiação.

Entrevistar as roteiristas contempladas com os três primeiros lugares significaria contar a mesma história que veículos maiores e, por este motivo, o Resenhando entrou em contato com seis dos 66 contemplados com menção honrosa. Vale prestar atenção neles, pois, em breve, um deles ou – por que não todos?– podem estar com o nome em destaque no mundo da dramaturgia. Amanda Aouad, Lúcia Albuquerque, Mariana Klinke, Paula Richard, Patrick Selvatti e Ricardo Silva fazem parte desta trabalhosa, e memorável, entrevista.


RESENHANDO – Se for considerado que a formação intelectual de um roteirista profissional é fundamental para a criação de bons roteiros, qual contribuição de livros, músicas e vivências para a construção de cenas e diálogos de qualidade para televisão e cinema?
AMANDA AOUAD – Toda, o processo de criação surge das referências do autor. O público só se identifica com a história se reconhece algo do mundo dele ali. Não falo com isso que todas as histórias são iguais, mas têm a mesma origem. A criatividade está em transformar as mesmas referências e contar de nova maneira.

LÚCIA ALBUQUERQUE – Formação e informação aliados a técnica são fundamentais como fonte de idéias no processo criativo dos autores. Além de todo o conhecimento, é preciso ter prazer de contar histórias para moldar, enfeitar, esculpi-las.

MARIANA KLINKE – Um roteirista tem que estar atento para tudo o que acontece à sua volta. Uma matéria de jornal pode ser o princípio de um argumento. Uma conversa que você escuta quando está sentado no ônibus também. Até mesmo uma foto pode suscitar uma idéia para um roteiro. Aprendi nas minhas aulas de roteiro a colecionar matérias e fotos que chamassem a minha atenção, que ao ler ou ver, eu sentisse que poderiam dar bons roteiros. Montar um arquivo assim é muito útil, porque é como se você estivesse arquivando idéias e inspirações. Gosto muito de escrever roteiros ouvindo músicas. Às vezes, chego a ouvir uma música repetidas vezes enquanto escrevo um roteiro. A inspiração de uma música pode ter relação com o que ela diz ou simplesmente com a sensação que ela traz, sensação que pode ser colocada nas cenas, nos diálogos. É claro que ler muito é fundamental para um roteirista. Ler aprimora a técnica da escrita em si (gramática, ortografia, etc.), e também a qualidade das histórias. Estar familiarizado com o ato de contar histórias ajuda na criação de histórias próprias, com conteúdo, verossimilhança e criatividade.

PATRICK SELVATTI – Embora a televisão e o cinema exijam diálogos coloquiais (e curtos), a vivência cotidiana é fundamental para a redação de um texto em que os personagens expressam seus sentimentos em forma de palavras. A leitura é sempre bem vinda na construção de um bom texto, mas acredito que, em novelas, a leitura humana é o principal ingrediente de uma boa história.

PAULA RICHARD – Faço parte da Associação Brasileira de Roteiristas Profissionais (www.artv.art.br) e, há pouco tempo, discutimos a regulamentação da atividade de roteirista. A regulamentação resultaria em exigências como diploma universitário específico para se exercer a profissão. Não houve consenso, mas acredito que o talento literário pode se manifestar em pessoas das mais diversas formações ou mesmo em pessoas sem formação alguma. O aprendizado do ofício de roteirista inclui técnicas, muito estudo e muita prática, mas o talento não se aprende. Agora, talento sem aprendizado e aperfeiçoamento também não anda pra frente. É importante a pessoa ler os clássicos, escrever, assistir teatro, novelas, seriados, filmes. Aprender o que puder sobre dramaturgia e estrutura. Contar histórias é falar de pessoas. Conhecer o ser humano, seus conflitos, o porque de suas ações e reações, estar bem informado sobre a atualidade e comportamento, tudo isto é vivência. Para escrever diálogos, temos que observar as pessoas ao redor, perceber como agem e como falam. A riqueza da vivência pessoal é material que será utilizado na criação.

RICARDO SILVA – Quando estou prestes a escrever uma nova história, procuro contar algo que seja original. Sei que, com a tradição que temos em escrever telenovela, fica difícil escrever sobre algo que nunca foi dito. Por isso, procuro observar minha vivência e as pessoas ao meu redor, pois assim, por mais que você esteja contando uma velha história, contará sob o seu ponto de vista e, dessa maneira, ela se torna única. Música e literatura também são importantes, cada uma ao seu modo. A música é um fator fundamental na minha criação. Por meio dela, posso dizer muito de um personagem ou de uma cena. A música também serve para dar um charme às cenas ou aos personagens. Gosto de ouvir música pop, quando escrevo, o que me ajuda a criar uma atmosfera moderna. Também gosto de incluir essas músicas nas trilhas sonoras das minhas histórias. Quanto à literatura, é fundamental que um roteirista seja um leitor voraz, que leia bons textos. Isso certamente o ajudará a enriquecer suas cenas e diálogos. Tenho uma máxima comigo: um bom leitor nem sempre será um bom escritor, mas um bom escritor, com certeza é um bom leitor.


RESENHANDO – Como foi a sensação fazer parte do grupo de 69 finalistas, entre os 600 roteiros enviados pelo concurso de teledramaturgia da Rede Record? O que fez seu roteiro ser escolhido entre 600? Qual seu diferencial como roteirista?
AMANDA – Foi a melhor possível. Senti-me reconhecida. Venci uma etapa. O sufoco da espera do resultado, os boatos de que teria outra lista além dos três premiados. Adiaram três vezes o resultado e o coração na boca. Quando finalmente saiu, claro que ficou um desapontamento por não ser a vencedora, mas estar na lista da menção honrosa é algo fantástico e vai ficar no meu currículo sempre. É difícil dizer o que levou “Café Amargo” (sinopse enviada por ela ao concurso da Record) a estar nessa lista. Uma história de época, escravidão, café. Fiquei com receio, ao me dar conta que é um tema manjado, mas acredito que a nova visão que dei ao mesmo tema, especialmente ousando no casal principal, foi o grande diferencial. Temos muitas histórias de café, escravidão. Em nenhuma o casal principal é uma sinhazinha e um escravo. Já existiram histórias com mestiço como em Sinhá Moça, e um escravo instruído como em “Essas Mulheres”. José é um simples escravo da fazenda e Juliana se apaixona por ele, por sua simplicidade. Ela, uma moça a frente de seu tempo, abolicionista, que escreve para o jornal local, deixando que um homem assine as matérias, ou não seriam publicadas. Enfim, é uma história envolvente. Em todos os meus trabalhos busco sempre duas coisas: a força do diálogo e o comprometimento com as mensagens que acredito. Busco sempre colocar um pouco de mim em meus textos, os meus ideais. Se é para entreter, que as pessoas se divirtam com algo que valha a pena, que as façam pensar, se emocionar.

LÚCIA – É uma honra ficar entre os 69 primeiros! Acho que meu roteiro agradou por ser um tema atual, que se passa no Rio, e a trama que deve ter contado bastante.

MARIANA – A sensação de estar entre os finalistas foi ótima. Eu me senti recompensada. Mesmo ser ter ganhado, finalmente um trabalho meu foi reconhecido publicamente e eu pude provar –para mim mesma e para os outros– que tenho talento e sou uma boa roteirista. Minha telenovela não tinha uma história exatamente convencional. A premissa dela (sete irmãos forçados a viver na mesma casa) criou uma espécie de "Big Brother" e reduziu bastante o número de cenários. Lógico que eles saiam da casa, iam ao trabalho e a outros lugares, mas o número de cenários fixos não era muito grande, principalmente porque a história realmente girava em torno desses sete personagens. E foram justamente os personagens, no meu ponto de vista, a parte mais interessante do projeto. Esses sete personagens têm personalidades muito diferentes e marcantes, proporcionando a criação de situações que saem da comédia, passam pelo drama e aventura, e chegam ao mais clássico dos melodramas. O fato dos personagens serem tão fortes se deve muito à minha bagagem como estudante de roteiro. Durante o curso de Audiovisual, tive como principal foco o estudo de roteiro, particularmente o roteiro de telenovela. Meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi sobre a construção de personagens em telenovela, o que, com certeza, ajudou na criação do projeto para a Record. Nesse TCC, fiz um projeto de telenovela –não o mesmo que mandei para a Record–, com escaletas de seis capítulos, sinopse completa e perfil de personagens. Este projeto foi realizado com um outro aluno do curso, meu amigo e parceiro em quase todos os roteiros que já escrevi, Fábio Aparecido Farias. É fundamental dizer que eu e o Fábio escrevemos dois projetos para a Rede Record em conjunto ("Amor e Poder" e "A Herança"). No caso, o projeto premiado foi em meu nome, mas nós dois trabalhamos juntos pelas duas obras e eu jamais poderia levar crédito sozinha por essa vitória.

PATRICK – Um assopro na ferida. Participar desse concurso teve um significado muito forte em minha vida. Veio como uma luz no fim do túnel ao mesmo tempo em que foi a minha primeira chance de mostrar meu trabalho. Tinha aquela sensação: “Meu Deus, é agora ou nunca!”. “Mas Patrick, esse é o primeiro concurso que você participa...”, me diziam. Eu sabia disso, sou muito jovem, tenho muito chão para percorrer, mas existia aquele sentimento de que essa seria minha prova de fogo. Se não fosse escolhido, iria desistir. Não fui um dos três vencedores, mas aquela menção honrosa fez minha esperança se renovar, sim. Primeiro porque quase 90% ficou de fora da lista. Segundo porque, ao meu lado na lista, alguns nomes famosos. Terceiro, cá estou eu dando minha primeira entrevista graças ao fato de ser um dos 69 melhores da Record (risos)...

PAULA – Ao saber que tinha ficado entre os 69 finalistas, foi de alívio. Depois, fiquei muito feliz, é claro. Acabei dedicando menos tempo do que o necessário para escrever meu projeto e sabia que não tinha enviado algo que realmente pudesse dizer que era o melhor que podia fazer. A essência estava lá, mas escrever um projeto como este, significa reescrever muito, coisa que não fiz. Só quem selecionou meu projeto poderia responder porque ele foi escolhido entre os 600, mas acredito que meu forte seja os personagens. Só consigo desenvolver uma história quando passo a conhecer o personagem com tal intimidade que ele se torna real e começa a andar sozinho.

RICARDO – As pessoas vão achar o cúmulo, mas fiquei decepcionado, pois queria estar entre os três primeiros colocados! Estava há dias esperando pelo resultado do concurso que já havia sido adiado duas vezes. No dia anunciado, ficava entrando no site de cinco em cinco minutos. Quando saiu o resultado, vi que meu nome não estava entre os três vencedores. Então vi que tinha uma lista de Menção Honrosa. Mesmo antes de ver meu nome, sabia que estaria na lista. Ser roteirista de telenovela é meu grande sonho. Quero trabalhar com isso, viver disso e venho me preparando há muito tempo. Fiz dois anos de Dramaturgia na Faculdade, fiz vários cursos de roteiro depois que me formei, escrevo desde os treze anos... Então, ter ficado na Menção Honrosa foi merecimento pelo meu esforço. Claro, fiquei super envaidecido! Ainda mais por estar em uma lista junto com pessoas tão competentes, e tem também pessoas com trabalhos bacanas que ficaram de fora. Quanto ao diferencial, creio que esteja no tom cômico dos meus personagens, no ritmo ágil do texto, nos diálogos ácidos e inventivos. Gosto muito de comédia e creio que esse gênero no Brasil esteja um pouco defasado, os autores de TV, com exceção de alguns poucos –e aqui cito Alexandre Machado, Fernanda Young, Maria Carmem Barbosa e Miguel Falabella– não arriscam em criar novas roupagens para o humor. Os textos de humor em TV são batidos, sempre remetem a alguma piada antiga. Meu diferencial consiste nisso: inovar e exagerar no humor.



RESENHANDO – Tendo em vista que o amor é tema predominante em telenovelas, como fazer com que romances dentro de um roteiro não prejudique o texto, tornando-o brega?
AMANDA – O amor não pode ser brega, pois é o sentimento mais puro que existe. Todos querem amar e ser amados. É intrínseco ao homem. O que torna brega é o exagero das emoções, tudo muito a flor da pele. O amor tem que ser dosado, como todos os outros elementos da trama. Se uma comédia exagera no tom vira um pastelão. Se o drama exagera no tom vira um dramalhão.

LÚCIA – As telenovelas são histórias de amor recheadas pelas tramas, não há como fugir disso. A função da trama e dos personagens é criar a identificação com o público. Um personagem bem criado, com perfil sólido, é importantíssimo para o desenvolvimento da trama.

MARIANA – Ser brega, para mim, é algo relativo. Há tantas formas de se viver um romance na vida real. Tem casais que são melosos, dão apelidos “fofos” um para o outro, não se desgrudam. Outros casais são mais práticos, não curtem demonstrações de afeto, mas nem por isso se amam menos. O que eu quero dizer é que cada tipo de pessoa se identifica com um tipo de romance, por isso acredito que o ideal seja mesclar, colocar tipos diferentes de casais em uma mesma telenovela, casais com diferentes formas de amar e demonstrar o amor.

PATRICK – O amor é o elemento básico da telenovela. Não acredito que o romance torne um roteiro brega. Aliás, está faltando amor nas novelas. Amores de verdade, folhetinescos, que nos dias de hoje estão se perdendo... Não gosto desse troca-troca de casais que anda acontecendo nas obras atuais. A Sol e o Tião, por exemplo, de América, ficaram muito promíscuos e isso deixou o público confuso. Tanto que ela teve final feliz com o Ed e ele com a Simone. Isso não deve acontecer em novela. Da mesma forma, está mais claro do que água que o grande amor da vida da Júlia Assumpção, em Belíssima, é o André Santana, que também a ama – e não o Nikos. Será bem folhetinesco se os dois terminarem a novela juntos. E não será brega, afinal, o amor a tudo perdoa. Pelo menos em novela, essa é a regra.

PAULA – As relações amorosas fazem parte da vida, do cotidiano das pessoas. Qualquer assunto pode se tornar brega dependendo da maneira como é abordado. Fazer uma novela sem romance, seria fazer outra coisa que não seja uma novela. São as paixões e conflitos dos personagens que fazem uma história avançar. O romance só pode prejudicar um roteiro se for mal desenvolvido e/ou mal escrito.

RICARDO – Talvez esse seja o mais difícil desafio do roteirista moderno, porque a telenovela começou a ganhar força nas décadas de 60/70 e naquela época era totalmente viável uma mocinha lacrimejante, inocente e virgem. Do mesmo jeito que era verossímil um herói másculo, honesto e com inúmeras outras qualidades. Acontece que os tempos são outros e, hoje em dia, as pessoas casam e descasam na hora que bem entendem, heroínas ingênuas estão fora de moda, ao mesmo tempo em que são a espinha dorsal de qualquer telenovela. Para um casal pegar você, deve colocar um pouquinho de pimenta na relação. Por exemplo: a mulher ser mais atirada que o homem e evitar diálogos muito melosos do tipo “Tião, vem comigo prosss Essstadosss Unidosss, lá asss ruasss são tão limpinhasss que até brilham!’ Outra coisa também deve ser evitada: saídas óbvias para separar o casal. Ninguém agüenta mais ver a mocinha ser dopada, ir parar na cama do vilão, ser pega pelo mocinho e os dois se separarem. Há de se inventar soluções criativas!


RESENHANDO – Público, crítica e roteiristas apontam que autores se repetem e utilizam, sempre, a mesma fórmula. Se pensarmos em um plano emergencial, o que deveria ser feito para que telenovelas se renovem? Investir no “nonsense” e temas polêmicos pode ser uma saída? Quais as outras?
AMANDA – Acredito que o medo de errar, a pressão em cima da audiência, a concorrência crescente tem feito as novelas dos anos 90 pra cá deixarem de ousar. Estava revendo “Guerra dos Sexos” essa semana e pensando “meu Deus, nunca colocariam uma novela dessas no ar hoje em dia”. O “nonsense” e os temas polêmicos em si não são novos. Mais “nonsense” que a corrida do diamante de “Guerra dos Sexos”, impossível, e é uma novela de 84. Os temas polêmicos também são relativos, estamos agora em uma luta por quem coloca o primeiro beijo gay no ar. Isso é criatividade ou apenas uma luta por quebra de tabus? Acredito que a inovação que todos pedem é aquilo que já falei no início. Novas formas de contar a mesma história. Porque se é completamente diferente de tudo o que já se viu, como foi “As Filhas da Mãe”, o público rejeita. Tem que inovar dentro do gênero, sem quebrar o pacto ficcional. Eu busquei essa inovação em minha novela. Além da mocinha se apaixonar pelo escravo, ela é totalmente livre de estereótipos. Uma mulher que não vive apenas para conquistar seu bem amado, ela tem objetivos claros de vida. Uma coisa muito polêmica entre as pessoas a quem mostrei a sinopse é o final. Eu deixo a entender que Juliana morreria. Isso causou assombro entre os leitores, imagine entre os telespectadores. A mocinha não pode morrer, ela tem que ter um final feliz. Será?

LÚCIA – Sempre haverá público quando uma história é bem contada. O ibope da novela "Prova de Amor" é a confirmação das minhas palavras.

MARIANA – Não sou uma profissional experiente e acho complicado definir exatamente o que fazer para renovar a telenovela. Eu, por exemplo, adorava "Bang Bang" quando começou. Cheia de referências a vários gêneros cinematográficos e histórias famosas... Eu achava as cenas muito divertidas. Mas a maior parte das pessoas que assistiam não tinham as referências que eu, como estudante de cinema e televisão, tinha. Aí a novela não emplacou e sofreu um monte de mudanças. A história perdeu sua marca, perdeu o rumo e eu parei completamente de assistir. De repente, "Bang Bang" era uma novela totalmente diferente do que aquela que havia me atraído no princípio. Isso me faz pensar que as mudanças em telenovela precisam ser graduais e que é muito importante estar atento ao comportamento do público. Talvez uma idéia seja testar situações novas em tramas mais secundárias e depois começar a levá-las para o centro da telenovela, como aconteceu com a questão do homossexualismo, por exemplo. Para mim, a telenovela já trata de temas polêmicos há muito tempo. Isso não é nenhuma novidade. O que pode mudar talvez seja a forma de contar, inovações estéticas, inovações de linguagem, algo tentado por Silvio de Abreu em "As Filhas da Mãe", mas que infelizmente não deu muito certo, talvez pelo excesso de linguagens mescladas – música e letreiros, misturados às imagens para explicar passagens da história, acabavam mais por confundir os espectadores do que por explicar.

PATRICK – A fórmula das telenovelas foi, é e sempre será a mesma. Mocinhas românticas e sofredoras, galãs apaixonados, vilões sedutores e inescrupulosos, boas doses de humor e muitas reviravoltas até o aclamado “The End”. Se fugirmos dessa receita, certamente nosso bolo irá desandar. Um exemplo claro desse cuidado está na recente América, em que a protagonista colocou seu sonho de viver nos Estados Unidos acima de seu amor pelo mocinho e comprometeu a história no quesito aceitação do público. Os temas polêmicos são freqüentemente experimentados com sucesso pela mesma Glória Perez e até mesmo o estilo nonsense foi bem aceito pelo público em várias ocasiões. Tramas urbanas, rurais, dramáticas, cômicas –acredito que tudo já foi testado, errado e acertado. O que deve ser feito nas novelas atuais é buscar mais tentar prender o telespectador por uma boa história e não se preocupar tanto com a audiência. O tal Ibope é o maior inimigo de qualquer novela. Por medo dele, muitas boas histórias foram comprometidas e muitas outras deixaram de ser produzidas. Pantanal, por exemplo, foi descartada pela Rede Globo e fez o maior sucesso na Manchete. Acho ridículo agora a emissora de Roberto Marinho querer fazer uma nova versão. Isso não é garantia de sucesso. Certamente, o investimento em novos autores é o ideal. Essa é a maneira que vejo de renovar as histórias. Eu, por exemplo, trago muito de cada autor, mas tenho meu estilo próprio.

PAULA – Difícil mexer em time que está ganhando quando há muito dinheiro envolvido. A preocupação das emissoras não é inovar, mas manter o sucesso. Pensar em plano emergencial seria pressupor que as novelas não andam bem. Fora uma ou outra derrapada, as novelas da TV Globo estão com ótima audiência e as da TV Record conquistaram um espaço muito importante e fundamental na abertura de mercado. A grande questão é: o público quer assistir uma coisa nova? Ao inovar, o risco de rejeição é sempre alto. O público de novelas é tradicional. A novela, como conhecemos, tem uma certa estrutura. Se inovar demais, deixa de ser novela e passa a ser outra coisa, outro formato. Acredito que a inovação seria justamente investir em novos formatos como seriados e telefilmes. Mas isto é outra história. Creio que se pode ser criativo em novelas, mesmo sem derrubar completamente a estrutura básica. O desafio está justamente aí. E tem sido enfrentado por diversos autores na teledramaturgia atual que continuam demonstrando talento e criatividade, apesar das diversas limitações que o formato e mercado impõem. Entre as novelas que me marcaram, posso citar “Saramandaia” de Dias Gomes (completamente nonsense) e “O Casarão” de Lauro César Muniz. Esta última, sem estrutura linear de tempo. A novela se passava em épocas diferentes, simultaneamente. O personagem abria uma porta e estávamos em outra década. Seria possível uma novela assim hoje em dia? Gosto de pensar que sim, mas os tempos mudaram. Todo o processo de produção de uma novela se industrializou e as exigências aumentaram. 

RICARDO – A solução é muito clara e só não enxerga quem não quer ver. Todo mercado de trabalho precisa de profissionais preparados. A Globo, como maior emissora produtora de telenovelas no país, deveria enxergar isso. Até porque, grande parte do seu dream team não vai durar muito tempo. Isto é obvio, pois as pessoas não são eternas e temos grandes autores em idades avançadas. O que deveria ser feito são oficinas para descobrir novos roteiristas. Investir pesado nesse pessoal. Claro que eles não pegariam a autoria de uma novela de cara, mas poderiam ser analistas, revisores, colaboradores, pesquisadores... Não vejo outra solução senão investir em gente jovem, com outras idéias, de gerações diferentes dos autores que aí estão, e até por isso, com histórias diferentes para contar. O Augusto Boal tem uma frase genial: “todo texto é autobiográfico, caso contrário seria plágio”. Entende porque é tão difícil inovar na teledramaturgia brasileira? Porque os mesmos autores sempre contarão as mesmas histórias. Manoel Carlos vai falar de suas mulheres intensas e que pertencem à classe média carioca, Sílvio de Abreu vai escrever uma trama policial que se passa em São Paulo, Glória Perez vai misturar tema polêmico com merchandising social e por aí vai...


RESENHANDO – Qual o papel de um dramaturgo na comunicação de massa, tendo em vista que a televisão é entretenimento para a maioria da população sem dinheiro para outras alternativas (como peças teatrais, shows)?
AMANDA – Acho triste essa afirmação. O Brasil é um país subdesenvolvido e dependente da televisão. Não é apenas o dinheiro. É a cultura do “mais fácil”. Vemos pessoas que vivem das formas mais precárias, sem comida, em um barraco, mas têm televisão. Aprendemos a viver em função dela. Existem peças, shows, espetáculos de circo baratinhos e, às vezes, de graça por aí, mas as pessoas preferem não procurar. Acomodam-se diante da caixa mágica. Acho que colocar a responsabilidade da cultura de um país apenas no entretenimento televisivo, que depende do capital publicitário para sobreviver, é muito perigoso. Cabe ao dramaturgo o seu papel: entreter. Se nesse entretenimento conseguir passar mensagens construtivas, ideais, ótimo. Não podemos colocar em nossas mãos a mudança do sistema. Isso depende de todos.

LÚCIA – O ideal é a televisão tentar suprir a lacuna cultural que existe com programas de qualidade, de forma que estimule o telespectador a buscar novos conhecimentos.

MARIANA – O mínimo é escrever algo com qualidade dramatúrgica. É ter consciência de sua proposta e cumpri-la. Não precisa ser algo ambicioso, inovador, fantástico, mas precisa ser honesto. Quando falo em honestidade, falo em colocar uma história com verossimilhança, que se sustente e não siga rumos esdrúxulos, não tome desvios fáceis para atrair a audiência, não desvirtue os personagens que já foram construídos. É uma questão de respeito ao telespectador escrever um roteiro coerente com a proposta de telenovela que foi vendida a ele.

PATRICK – O escritor de novelas tem o poder de alcançar de uma única vez milhares de lares e levar qualquer informação que deseje, seja ela de utilidade pública ou mesmo para lançar uma moda que provoque discussões nas esquinas, nos salões de beleza, nos fumódromos... O interessante é que o Brasil é um país rico em cultura e turismo que nem todo brasileiro tem acesso. Muitas novelas têm desempenhado essa função social de difundir nossa cultura, não só para o próprio Brasil, mas para o mundo. Vejamos o exemplo de Pantanal e das tramas nordestinas. Bom seria se os autores buscassem sair um pouco do cenário Rio-São Paulo. Moro em Brasília e meu projeto é escrever uma novela que mostre o outro lado da Capital da República, longe da podridão da política. A minissérie JK conseguiu mostrar um pouco, mas ainda há o que se mostrar.

PAULA – É uma grande responsabilidade. O autor deve estar sempre preocupado em entreter sem desconsiderar o aspecto social, tentando, sempre que possível, levar a algum tipo de reflexão e ação. Todos sabemos da influência da TV enquanto ferramenta de comunicação de massa. Isto não pode ser menosprezado pelo dramaturgo. O formato de telenovela facilita bordar temas sociais e entreter ao mesmo tempo.

RICARDO – O dramaturgo deve partir do princípio básico do respeito ao telespectador. A telenovela é uma instituição muito sólida no Brasil. Em termos de entretenimento, talvez só se compare ao futebol. Já virou tradição, as pessoas se sentarem diante da TV pra assistir a novela das oito que hoje passa às nove. Boa ou ruim, novela sim, outra também, o público vai estar ali, fiel àquela história. Com uma exceção ou outra, é difícil uma novela das oito não ir bem no ibope. Por isso, um cara que tem a oportunidade de contar uma história para milhões de brasileiros (e isso independe do horário: seis, sete ou oito), deve escrever um texto bacana, no mínimo coerente, e dosar esse texto com humor e reflexão.



RESENHANDO – Qual a linha tênue que pode transformar o merchandising social utilizado nas novelas em chatice, demagogia?
AMANDA – O limite é a verossimilhança. O público está assistindo a uma dramaturgia, não podemos fugir dela para massacrá-lo com propagandas. O merchandising tanto comercial quanto social tem que estar inserido na trama. O público tem que consumi-lo sem perceber que pararam sua história para isso. Senão, irrita, enche.

LÚCIA – O merchandising social não pode ser usado em excesso, tem que estar incluso de uma forma delicada na trama. Caso contrário, fica demagógico e o pior: pode ser rejeitado.

MARIANA – O merchandising social é importante, pois a telenovela é a maior vitrine que uma causa pode ter hoje em dia. Vista por milhões de pessoas todas as noites, uma telenovela pode potencializar uma campanha, como já foi visto no caso do aumento de doação de medula devido à "Laços de Família", de Manoel Carlos, ou do aumento de crianças desaparecidas encontradas por suas mães durante a novela "Explode Coração", de Glória Perez. O problema do merchandising social é quando ele fica tão exagerado que começa a se desligar da trama, tornando-se um discurso à parte, repetitivo e, portanto, chato. Muitas vezes, eu vi pessoas mudando de canal durante uma telenovela quando havia excesso de depoimentos reais ou então quando as explicações sobre os problemas dos personagens se tornavam muito enciclopédicas e longas. O problema é que o merchandising social foi ficando muito popular, o público gostava de ver a telenovela prestando um serviço à sociedade, e com isso alguns autores acabaram perdendo a mão e exagerando. Mas é claro que existem autores que sabem inserir muito bem o merchandising social em suas tramas, como Manoel Carlos, por exemplo. Nas telenovelas dele, o merchandising social não é uma campanha encaixada. Ele está na base do personagem, faz parte de sua história, está integrado a ele. E isso faz toda a diferença.

PATRICK – O exagero. Sou suspeito para falar sobre merchandising social nas novelas pois este tema foi a matéria-prima para o meu trabalho de conclusão de curso da universidade. Pesquisei e escrevi sobre “O perfil jornalístico da telenovela brasileira – Informação e conscientização nas obras de dramaturgia” e utilizei como base as novelas “Laços de Família” e “O Clone”. Em ambas, a responsabilidade social foi muito bem explorada, na dose certa que a obra de ficção permite. Já na novela “América”, o exagero comprometeu toda a trama. Chegou um momento que ninguém mais agüentava ver o programa do Dudu Braga inserido na novela. Pior: sempre com o chato do Jatobá presente...

PAULA – Tudo o que é didático, tem a propensão a se tornar chato. Pessoalmente, não tenho dificuldade em inserir questões sociais quando escrevo. Simplesmente porque elas fazem parte do dia-a-dia das pessoas. Acho que fica forçado quando o assunto não faz parte da história. Para dar um bom exemplo, cito Manoel Carlos em “Mulheres Apaixonadas”: ele abordou os problemas da terceira idade usando a relação dos personagens dos avós com a neta e demais membros da família. Usou conflitos perfeitamente reconhecíveis na família, inseridos na trama, e levou a progressos em defesa dos direitos dos idosos. Agora, mesmo quando o merchandising social parece forçado, tem imenso valor. A TV tem uma responsabilidade social enorme e um poder que deve ser usado para chamar a atenção para causas importantes.

RICARDO – O merchandising social em uma novela deve estar muito bem inserido dentro de um contexto lógico. O Sílvio de Abreu falou disso em uma entrevista que concedeu recentemente. O merchandising social só tem sentido se partir das ações e dos conflitos pelos quais viverão os personagens da trama e não o inverso. Não acho legal criar núcleos pra discutir determinados temas. Nesse sentido, a telenovela perde o seu sentido original que é o folhetim, o entretenimento e se torna maçante. Um bom exemplo de merchandising social é o que foi feito pelo Manoel Carlos em "Laços de Família". Uma de suas personagens centrais tinha leucemia e isto estava muito bem estruturado na trama. A personagem tinha que ter a doença para a mãe engravidar de um antigo amor da juventude que na verdade era o pai de sua filha, que até então não sabia disso. Por causa da doença da personagem, o número de doação de medulas aumentou muito na época. Foi uma campanha bacana e nada forçada. Não existia um núcleo de leucêmicos na novela.
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