quarta-feira, 5 de outubro de 2005

.: Resenha de "Lira dos Vinte Anos", Álvares de Azevedo

Obra de Azevedo é amor à flor da pele
Por: Mary Ellen Farias dos Santos

Em outubro de 2005


Lira dos Vinte Anos: o romantismo da segunda geração em um dos textos encontrados após a morte de Álvares de Azevedo. 


Poesias e mais poesias do mal-do-século (poesias de visão trágica da existência, angústia da solidão, abordagem da morte e melancolia da vida e dos desenganos amorosos) produzidas na maestria do poeta brasileiro Álvares de Azevedo. A editora Paulus, que republicou "Lira dos Vinte Anos", em 2004, adicionou nesta, uma apresentação da obra e vida do autor.

Não há dúvida de que ler e interpretar o lirismo ingênuo e, às vezes, erótico, de Azevedo, é mergulhar no ultra-romantismo que abrangeu as décadas de 1840 a 1850. As 182 poesias denotam um extremo sentimento de saudade, além de exaltação ao amor. Um exemplo é A T..., na página 39, de dezembro, 1851. Neste, já no título há um jogo com o leitor. No corpo da poesia a figura amada é comparada a uma flor e a um anjo. 

Outro ponto que se percebe é o da evolução poética. Inicialmente ele descreve o ser amado e em seguida há "fogo no olhar" e por fim, a loucura de "Beijar-te nos cabelos soluçando / E no teu seio ser feliz morrendo!".

As poesias de Lira dos Vinte Anos, de Álvares de Azevedo ora trazem um sentimento de amor e desejos, ora fúnebres e alegres, ora misterioso e envolvente, ora enlouquecedores e sensuais, ora oníricos e aparentemente reais e ora a junção de todas estas classificações. 


A T... 
Álvares de Azevedo


No amor basta uma noite para fazer de um homem um Deus. - PROPÉRCIO

Amoroso palor meu rosto inunda,
Mórbida languidez me banha os olhos, 
Ardem sem sono as pálpebras doridas,
Convulsivo tremor meu corpo vibra... 
Quanto sofro por ti! Nas longas noites
Adoeço de amor e de desejos...
E nos meus sonhos desmaiando passa
A imagem voluptuosa da ventura:
Eu sinto-a de paixão encher a brisa,
Embalsamar a noite e o céu sem nuvens;
E ela mesma suave descorando
Os alvacentos véus soltar do colo, 
Cheirosas flores desparzir sorrindo
Da mágica cintura.
Sinto na fronte pétalas de flores, 
Sinto-as nos lábios e de amor suspiro... 
Mas flores e perfumes embriagam...
E no fogo da febre, e em meu delírio 
Embebem na minh'alma enamorada 
Delicioso veneno.

Estrela de mistério! em tua fronte
Os céus revela e mostra-me na terra, 
Como um anjo que dorme, a tua imagem 
E teus encantos, onde amor estende
Nessa morena tez a cor de rosa.
Meu amor, minha vida, eu sofro tanto!
O fogo de teus olhos me fascina,
O langor de teus olhos me enlanguece, 
Cada suspiro que te abala o seio
Vem no meu peito enlouquecer minh'alma!

Ah! vem, pálida virgem, se tens pena
De quem morre por ti, e morre amando, 
Dá vida em teu alento à minha vida,
Une nos lábios meus minh'alma à tua!
Eu quero ao pé de ti sentir o mundo
Na tu'alma infantil; na tua fronte
Beijar a luz de Deus; nos teus suspiros 
Sentir as virações do paraíso...
E a teus pés, de joelhos, crer ainda
Que não mente o amor que um anjo inspira, 
Que eu posso na tu'alma ser ditoso, 
Beijar-te nos cabelos soluçando
E no teu seio ser feliz morrendo!

Dezembro, 1851.

Livros: Lira dos Vinte Anos
Autor: Álvares de Azevedo
198 páginas
Editora: Paulus

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