quarta-feira, 2 de março de 2005

.: Resenha de "A Imprensa Livre de Fausto Wolff"

A liberdade fora das redações
Por: Luíz Horácio

Em março de 2005


Até que enfim meu papagaio conseguiu ser aprovado no vestibular para jornalismo. Depois de 18 tentativas onde não foi compreendido em sua sabedoria, a décima nona fez justiça. Tirando proveito do sistema de cotas, provou que tinha um pé, ou seria asa?, na África e também era miserável. Duplamente beneficiado, hoje é um acadêmico. Pela mesma fresta também entrou uma coruja, mas como não era alfabetizada não conseguiu se matricular. Já impetrou mandado de segurança.

Pois meu papagaio, depois da aprovação deu pra ficar marrento. Dia desses, mesmo quando cheguei da praia encontrei o futuro colega em cima da mesa lendo o El País. Foi só o tempo de me livrar do guarda sol pra acabar com a alegria do penado estudante. Mas que negócio é esse de ler logo o El País. Tem que ler O Dia, no máximo O Globo. Não quero mais saber desse jornal aqui em casa.

Como o acadêmico é poliglota, fala papagaiês e já decorou 15 palavras da inculta e bela, não encontrará dificuldades para conseguir emprego no Globo. Sem contar que na digitação leva enorme vantagem pois faz uso das patas e do bico ao mesmo tempo.

No Globo ele pode se candidatar a vaga do Joaquim Ferreira dos Santos, um zé mané entre tantos outros, que informa quem está comendo quem no elenco de celebridades globais além de ser porta voz de um muquifo chamado Buraco da Lacraia. Particularmente me agradaria muito ter meu papagaio como responsável pelas manchetes do Globo. Pior que as que seguem, duvido que ele consiga: “Polícia investigará fumaça”., “Fim de Vagas Temporárias Eleva Desemprego”, “Juros Bancários Sobem para 46,8%”. A atuação, eufemismo primário pra só agora dizer roubalheira, dos bancos é um capítulo à parte onde as páginas estão grampeadas, ninguém fala, deixa assim por que o patrão está devendo. E ainda temos que aturar campanhas de marketing dizendo que o jornal tal é independente. Caso o aspirante a emprego em grandes jornais não se enquadrar nos quesitos citados, nem tente, aconselho lixar os restos de humanismo que por ventura ainda conserve e volte à carga. Meu papagaio, possuidor de um humanismo muito mais honesto que o da maioria dos coleguinhas, acha graça, percebe cada vez menos concorrentes.

Depois é só informar omitindo e estamos conversados. Citei o Globo para não perder meu tempo com os menores que só reproduzem as indicações dos grandes, os oficiais. Mas a idéia é a mesma, nunca cutucar a ferida, o importante é ser simpático, afinal de contas como denunciar potenciais anunciantes, como não acobertar políticos que votaram a favor dos suspeitos interesses patronais? O povo? Mas que importância tem o povo para os jornais? Podemos dizer que a mesma importância que os jornais têm para o povo?

Aí também corremos o risco de repetir a fórmula política, temos os Severinos e os Lulas por que os merecemos. Quem sabe... A verdade é que os jornais atualmente são mais compêndios estatísticos do que órgãos ocupados em tomar conhecimento dos fatos, conferir dados, antes de emitir opinião que, quanto mais medíocre o jornal, mais credibilidade alcançará junto ao público. Como uma novela da TV, um exemplo à altura.

Que o leitor faça a experiência: quando estiver lendo ficção interrompa a leitura e passe logo ao jornal. Reproduzindo o experimento algumas vezes, garanto, sem medo de errar, que logo não saberá mais onde começa um e termina o outro. Infelizmente.

Fausto Wolff não tem nenhum compromisso com o jornalismo ridículo citado anteriormente, Fausto é um jornalista que enobrece, para não dizer que salva, a profissão e por motivos abjetos, inexplicáveis, daqueles que envergonham a inteligência e cultura de um país é deixado à margem, ora pelos jornais, ora pelos coleguinhas. As exceções no caso são cada vez mais exceções se levarmos em conta a grandeza do profissional. Um homem justo que jamais se deixou levar pelo canto da sereia e não aprendeu a minimizar ou esconder sequer os seus os equívocos. Mesmo que tal engano não seja fruto de sua vontade ou falta de talento.Exemplo: Eleitor de Lula não economizou críticas, nas páginas do saudoso Pasquim 21, diante da bandeira de frustrações precocemente desfraldada pelo ex-lider sindical. Mais tarde os coleguinhas caolhos perceberiam-se ultrajados com o anúncio de uma agência para controlar a imprensa. Não sei se eles sabem, mas do Fausto não duvide, Marx já avisava que o espírito do estado se manifesta mais claramente nos debates sobre a imprensa. Dá ou não dá para sentir o bafo do autoritarismo de Lula et caterva?

A Imprensa Livre de Fausto Wolff, editado pela L&PM, é um título irônico e triste para uma coletânea de artigos que vai dos últimos dias da administração FHC até a eleição do língua solta que ora nos impinge seu populismo insosso. Irônico por que é uma das mais vigorosas características do autor só perdendo para sua gigantesca erudição, triste por que se o livre se refere a independência de Fausto, lamenta-se sua ausência das páginas dos grandes jornais. Tristeza maior só mesmo no interior das redações, onde bobos da corte lançam mão de textos cada dia mais edulcorados protegidos por sofismas que a linguagem apressada lhes confere, no intuito de agradar as elites.

“Parem as máquinas.” Acabo de ser informado do ingresso de Guilherme Rodrigues, meu sobrinho, na faculdade de jornalismo. Estou providenciando um amarradinho com os livros do Fausto Wolff. Vai me custar uma pequena fortuna, o guri mora em Santa Catarina, mas ele merece. Recomendo que leia, do contrário jamais tomará o lugar do meu papagaio.

Duvido que a leitura de “A Imprensa Livre de Fausto Wolff” venha a ser recomendada em alguma faculdade de jornalismo visto que seu autor não é daqueles acostumados à manutenção e sim um apaixonado defensor das transformações. No livro de Fausto um retrato, ou seria uma radiografia?, deste país que pensávamos fosse nosso. Da indisfarçável emoção, quase tietagem, provocada com a eleição do Ofélia barbudo à imediata decepção, Fausto desfia ética, isenção e cuidado com a matéria analisada. A opinião emitida pelo autor, nunca de forma gratuita, está sempre em sintonia com o fato e esse talvez seja o motivo principal pelo qual a imprensa está livre do Fausto, honestidade.

Recomendo aos estudantes de jornalismo e jornalistas de pouco estudo a leitura de um outro livro do Fausto, “Os Palestinos –Judeus da Terceira Guerra Mundial”. Ed. Alfa-Omega..No livro encontrarão a célebre e histórica entrevista que Fausto realizou com Yasser Arafat em Beirute no ano de 1982. 

Sei que não faltarão os surpresos que dirão: Mas logo os palestinos, Yasser Arafat, um terrorista, enquanto os coitadinhos judeus..... Por falar em judeus, já repararam que o povo judeu é o único povo vítima de crueldades? O quê? Você lembrou dos negros arrancados de sua terra e escravizados. Ainda bem que não estou só.

Mas leiam e releiam Fausto Wolff sempre, um jornalista a serviço do jornalismo. Se é Arafat, Pasolini, Dario Fo, pouco importa. O importante é o jornalismo. De preferência, com a honestidade e a liberdade de Fausto.

Agora já não sei mais se deixo ou não deixo meu papagaio ler A Imprensa Livre de Fausto Wolff.

Hoje leio em O Globo que a “ofensiva dos movimentos sociais está incomodando Lula; que a radicalização dos aliados – segundo José Genoíno - , como é o caso do MST, pode criar na sociedade uma imagem de que o PT não tem autoridade para governar o país. O presidente do PT acha que os movimentos sociais cometem suicídio se crêem que Lula pode resolver demandas sociais que se arrastam há décadas sem solução.” Mas é cinismo demais. Lula é o presidente e chefe das Forças Armadas. Acreditávamos que ele e seus ministros quisessem realmente botar os ladrões na cadeia, desprivatizar o que foi privatizado, fazer reforma agrária, mas o que vemos agora é um governo subserviente ao Consenso de Washington e obediente ao FMI. Lula já deu um tapa na cara dos seus eleitores ao colocar no Banco Central um homem do Bank Boston e no ministério da Agricultura um latifundiário. Agora, se quiser se penitenciar e fazer a reforma agrária bastam três medidas: 1) convocar as Forças Armadas: 2) comprar pelo valor declarado pelo latifundiário o seu latifúndio improdutivo: 3) recensear os camponeses, criar silos, e armazéns que levem o produto do agricultor ao consumidor e, finalmente, distribuir as terras dando a cada um de acordo com sua necessidade. Seríamos o maior país agrícola do mundo e nos libertaríamos para sempre dos grilhões que nos mantêm escravos. Isso ainda é possível, pois a maioria do povo continua ao lado do operário.O que se pede ao operário é que não se afaste do povo.

Livro: A Imprensa Livre de Fausto Wolff
Editora: L&PM
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Um comentário:

  1. Parabéns.Apausos de pé!Bravo.bravissimo p o papagaio .p a coruja..o Fausto e o Horacio grego,HorsConcours!(tudoNaquelaData pq epica e nome d revista da glubis...)

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