Mais que ser a profissão do Super-Homem, ser repórter pode propiciar momentos agradáveis e de plena satisfação. Neste contexto, os três anos do Resenhando me fizeram realizar duas grandes ambições: entrevistar ídolos na literatura. A primeira foi Ana Miranda, logo depois de ser contemplada com o seu segundo prêmio Jabuti de literatura, pelo romance “Dias e Dias”, uma biografia romanceada do poeta Gonçalves Dias. Ana se mostrou extremamente doce, receptiva e atenciosa.
Três anos depois, o feito se repete com a escritora Fernanda Young, uma das escritoras mais vendidas e polêmicas do Brasil. Primeiro porque ela contraria toda idealização que se tem a respeito de um escritor –além de jovem, bonita e de se superexpor escrevendo livros, ela ainda protagoniza um programa de TV e é roteirista, juntamente com o marido, Alexandre Machado, do sitcom ‘Minha nada mole vida’ da TV Globo. Segundo porque a crítica é madrasta com seus livros, que nem por isto deixam de encantar os leitores e deixa-los de joelhos diante de seu brilhantismo.
A entrevista seria dada, em um primeiro momento, na ocasião do lançamento do novo livro “Aritmética”, que marcava sua ida para a Ediouro, época em que chegamos a entrar em contato com a assessoria de imprensa da editora. Mas Fernanda Young merecia uma edição especial, como a de três anos do site –data mais que simbólica– e também pela coragem dela expor seus poemas pela primeira vez, no recém-lançado “As dores do amor romântico”, também da Ediouro.
Nunca fui dado a idolatria, mas em entrevistas sempre tento me colocar no lugar de fãs e perguntar o que eles querem saber. Essa relação de confiança sempre me favoreceu a tirar, de meus entrevistados, frases de efeito e declarações sinceras. Com esta entrevista, não foi diferente. Desde o primeiro contato, Fernanda foi rápida, atenciosa, e demonstrou boa vontade conosco. Foi um flerte de três anos –mesmo que fosse platônico e não ela soubesse disso– com final feliz. Próximo passo? “Ainda agora, contra todas as minhas vontades, retorno ao meu novo livro. Essa força é maior do que o desejo de desistência. É a força do dharma, deve ser maior do que eu”. Com vocês, a grande estrela da literatura brasileira atual, lírica, dissecada e reveladora para, tal qual Sherazade, encantar a você pelo seu dom da palavra.
Resenhando - O que diferencia a personagem, da mulher Fernanda Young? Qual a linha tênue que delimita o que é realidade e idealização?
Fernanda Young - Creio que parte do que é idealizado é minha responsabilidade. E mesmo o que não é real já me pertence. Uso de artimanhas cênicas para causar um ruído e, às vezes, sou mal-interpretada. Entendo que nem sempre sou capaz de ser clara nas minhas intenções, mas a burrice também tem péssima noção de ironia. O que posso dizer é: quem me conhece na intimidade sofre muito em ter que me defender dos burros.
Resenhando - Escrever é exteriorizar alteregos, brincar de “querido diário” sem adesivos, meninices e sigilo total, ou necessidade vital?
Fernanda Young - Necessidade vital. Mesmo sem publicar, eu escreveria. Escrever me salva da esquizofrenia.
Resenhando - Como, quando e por que você começou a escrever? Acreditava que iria tão longe?
Fernanda Young - Comecei a escrever por volta dos oito anos, logo que fui alfabetizada. Tive muita dificuldade de aprender a escrever. Diziam que eu era disléxica. Hoje em dia, eu sei que não podia aprender, só isso. Mas eu também sabia que seria uma escritora. Eu recitava os meus poemas, sem conseguir escrevê-los. Nunca achei que publicaria um livro. Mas tinha uma idéia romântica de ser descoberta depois de morta.
Resenhando - Por que você escreve outros livros dentro de um? Há ansiedade de dissertar sobre vários assuntos ao mesmo tempo, ou existe outro motivo?
Fernanda Young - Porque não tenho fôlego, ou paciência, de manter uma história apenas.
Resenhando - Seu programa na GNT é uma espécie de fake reality, com crônicas urbanas que mostram o quanto você pode ficar irritada quando sai de casa. Na real, o que irrita Fernanda Young?
Fernanda Young - Burrice. Burrice para mim é deficiência de caráter. Um burro é, na verdade, um preconceituoso preguiçoso.
Resenhando - Escrever é visceral? Requer mais transpiração ou inspiração?
Fernanda Young - Transpiração. Inspiração eu tive só até os 17 anos.
Resenhando - Até que ponto você permite se expor ao escrever? Em determinados momentos, você coloca um limite?
Fernanda Young - Não coloco limites. Posso não publicar. Não mostrar para ninguém. Mas jamais irei me censurar. Escrevo como quero e o que quero. Escrevo para mim.
Resenhando - O que é ficção, e o que é autobiografia em seus livros? Para quem escreve Fernanda Young?
Fernanda Young - A minha literatura é um jogo cheio de enigmas. Quando pensam que estou num personagem, estou num outro. Quando parece que é num acontecimento que me revelo, pode ter certeza que estou disfarçando; são nas sutilezas que me escancaro. Escrevo para mim, para a minha irmã, para o Alexandre e mais alguns amigos. Mas jamais me esqueço dos meus leitores. Parece que conheço cada um deles. Sinto-os, diria.
Resenhando - Algumas pessoas criticam sua postura de apresentar programas, aparecer, dar opiniões polêmicas, porque consideram que a postura de um escritor deve ser de reclusão, envolta em mistério. O que tem a responder sobre isto?
Fernanda Young - Cafonas. São como aqueles que temem beber refrigerante. Há os que acham que celular dá tumores na cabeça. Os que acreditam que televisão seja um demônio. E que o bom escritor é triste, desleixado, magoado. Se eu fosse uma herdeira milionária, talvez ninguém nunca tivesse visto a minha cara. Poderia dar as minhas “opiniões polêmicas” só para os amigos. Mas preciso – e gosto – de fazer televisão.
Resenhando - A maternidade mudou sua maneira de produzir?
Fernanda Young - Agora, demoro bem mais para escrever um livro.
Resenhando - Você disse que, ser bonita, atrapalhava sua vendagem nos livros, no entanto, é uma das escritoras mais vendidas no Brasil. Continua com este pensamento? Por que?
Fernanda Young - Vendo porque faço um “corpo a corpo” enorme. Vou a várias cidades divulgar o meu livro. Dou entrevistas – quando estou em lançamento – para qualquer mídia. Não tenho frescuras. Não sou exigente. Não faço gêneros. Pela literatura, me expus. Fiz tudo para chamar atenção para que lessem os meus livros. Se dependesse da mídia especializada, estaria vendendo exemplares em bares. Vendo muito porque escrevo bons livros e tenho leitores inteligentes. E porque luto por isso. Não tive nenhuma facilidade na vida. As pessoas podem ter a falsa impressão de que a minha vida profissional foi facílima, e foi o contrário. Só que sou determinada. Não estou brincando de ser escritora. Sou grata aos meus leitores. Preciso deles. Vou atrás deles. Então vendo bem.
Resenhando - De toda sua produção literária, qual de seus livros você considera o melhor?
Fernanda Young - "Aritmética". Porque penei feito uma desgraçada para escrevê-lo.
Resenhando - Como é o processo de montagem das personagens de seus livros? São inspiradas em pessoas que você conhece, ou frutos de sua imaginação?
Fernanda Young - Alguns personagens são inspirados, mas nunca totalmente. Sou uma escritora de ficção, não uma adolescente que escreve diários.
Resenhando - O que levou uma escritora bem-sucedida de romances publicar o primeiro livro de poemas? Você sempre os escreveu? Como foi essa produção, a escolha de poemas?
Fernanda Young - Sempre escrevi poemas. Mas são cada vez mais raros. Decidi publicá-los porque tenho a minha carreira de romancista já bem definida. Não poderia deixar de fazer esse convite aos meus leitores. Acho que ler poesia salva um afogado – como bem disse Mário Quintana. Então, estou tentando ajudar e me salvar de ter esses poemas na gaveta, como fantasmas debaixo da cama. A edição foi feita por mim e pelo meu editor Paulo Roberto, o critério foi a qualidade e o tema: amor.
Resenhando - É verdade que troca de computador quando vai escrever um novo livro? Por que?
Fernanda Young - Porque fico muito tempo com o computador. Esse que uso agora já está quase sem as letras das teclas. Bato com muita força. E preciso estar estimulada. É o meu trabalho. Adoro um novo Mac. E surgem lindas opções, convenhamos. Mas depois do nascimento das meninas tenho sido menos consumista. Esse em que estou escrevendo vem desde o Aritmética. Estou louca para trocá-lo.
Resenhando - Que rituais você tem antes de escrever?
Fernanda Young - Tento estar bonita. Preciso acreditar em mim para escrever coisas belas. Somente de tarde. Nunca de manhã. Agora estou aproveitando as madrugadas. Escuto músicas-chaves. Só paro quando sei como continuar no dia seguinte.
Resenhando - Por que você repetiu personagens de “As sombras das Vossas Asas”, em “Aritmética”?
Fernanda Young - Não sei bem porque, mas o Rigel Dantas me é muito atrativo. Gosto de fotografia, e ele é fotógrafo, talvez seja isso.
Resenhando - Qual a diferença entre escrever roteiros para o cinema e TV, e escrever livros?
Fernanda Young - Nos livros, sou totalmente livre.
Resenhando - A qualidade dos textos literários pode ser levada para a televisão, ou cinema?
Fernanda Young - Sim. Tenho tentado fazer isso. Mas é preciso estar no meio de uma boa equipe.
Resenhando - Você flertou com o folhetim em seu segundo livro, “A sombra das vossas asas” e declarou ter vontade e escrever uma telenovela. Como seria esta novela?
Fernanda Young - Já desisti. As novelas não me interessam mais – por enquanto. Gostaria de adaptar o “Aritmética” para uma minissérie.
Resenhando - Qual a sensação de ver seu primeiro livro “Vergonha dos pés” adaptado para o teatro?
Fernanda Young - Acho que terei um treco no dia da estréia. Estou muito feliz. O José Possi Neto é uma realeza. E espero sobreviver a tamanha exposição.
Resenhando - Como é ver seus livros traduzidos para outras línguas?
Fernanda Young - Só lancei em Portugal. E um trecho do “Aritmética” na Itália. É engraçado. Mas não me importo. Quero a minha língua.
Resenhando - Embora a crítica especializada seja cruel com você, seu último romance “Aritmética”, permaneceu semanas na lista dos mais vendidos da revista “Veja”. Como lida com críticas?
Fernanda Young - Acho que eles não são bem informados. Poderiam apontar deficiências, mas querem somente chamar a atenção do artista para eles, então os acho – na grande maioria – uns bobos invejosos. Mas, sinceramente, não me importo mais. Podem me esculhambar, que eu já criei casco. Acho que por isso, de uns tempos para cá, eles se fazem de cegos. Também não ligo. Os meus leitores continuam fiéis.
Resenhando - O que explica a maioria dos resenhistas torcerem o nariz para você, e ser tão adorada pelos leitores?
Fernanda Young - Os leitores são muitos. O Brasil é enorme, não é somente Rio-SP. Os resenhistas são sempre os mesmos, sempre com a mesma burrice e rancor.
Resenhando - Acredita que novos escritores tem tanto espaço na mídia quanto escritores de antigamente?
Fernanda Young - Sim. Até mais. É preciso lutar. Mas há os blogs e a internet. Antes era mais complicado.
Resenhando - Jornalismo e literatura podem conviver? Ou seja, acredita que o jornalismo pode vaguear em qualquer linguagem?
Fernanda Young - Sim, acredito. Muitos dos meus autores prediletos eram jornalistas: Hemingway, Paulo Francis…
Resenhando - Como uma das garotas-propaganda do jornal “O Estado de S. Paulo”, para você, o que é pensar “inho” e “ão”?
Fernanda Young - Inho é bobinho. Ão é coração.
Resenhando - Em 2001, você foi anunciada como cronista do Jornal do Brasil, mas só publicou dois textos e a coluna foi suspensa, sem explicação. O que aconteceu?
Fernanda Young - Escrevi uma crônica que foi censurada.
Resenhando - Por que saiu do catálogo da editora “Objetiva” e foi para o da “Ediouro”?
Fernanda Young - Era necessária uma mudança. A Objetiva foi fundamental, mas eu precisava ser vista de maneira diferente, não mais como uma garota, e sim como uma escritora adulta.
Resenhando - Você já disse que Madonna era sua mãe ideológica. Inclusive colocou parte do nome dela em sua filha, Cecília Madonna (gêmea de Estela May, com cinco anos). Como os atos dela influenciaram em sua vida?
Fernanda Young - Ela é ousada e profissional. Determinada. Doida. Livre. Simular masturbação num palco é libertador. Viver tão livremente, como ela faz, é um constante desafio a nossa própria noção de liberdade.
Resenhando - Em entrevista para a revista Cláudia, você afirma que sempre detestou o termo "literatura feminina". Por quê?
Fernanda Young - Porque não sou só isso.
Resenhando - Qual o real motivo de sua saída do programa "Saia Justa"?
Fernanda Young - Estava de saco cheio.
Resenhando - O que falta para realizar você na arte?
Fernanda Young - Escrever mais romances.
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