sexta-feira, 2 de dezembro de 2005

.: Entrevista com Darlan Cunha, ator da série "Cidade dos Homens"

"Quero continuar sendo ator, mas acho que o ator deve ter mais de uma profissão" - Darlan Cunha

Por: Eduardo Caetano
Em dezembro de 2005




Segunda-feira, 14 de novembro de 2005. Feriado prolongado. Cinco e dez da tarde. Depois de diversas tentativas, finalmente consigo entrevistar o ator Darlan Cunha, que está no horário nobre da Globo, às sextas-feiras, vivendo mais uma vez o jovem Laranjinha, na quarta temporada da série Cidade dos Homens. Apesar de entrevistá-lo por telefone (moro em Santos e ele no Rio de Janeiro), para mim, este momento tem um sabor especial. Não só por ser fã de Cidade dos Homens e do trabalho dele desde quando a série estreou em 2002, mas por estar a três meses "correndo atrás" desta entrevista e pela oportunidade que tive de conhecê-lo pessoalmente.

Quando estive fazendo um curso no Rio, em agosto, consegui descobrir a escola em que Darlan estudava e fui até lá fazer plantão na portaria. Darlan está no segundo ano do Ensino Médio. Nos conhecemos ali, na saída da escola. Na ocasião, pude constatar o que já deduzia por acompanhar sua trajetória em algumas entrevistas: Darlan é simples, simpático, “tranqüilão” como costuma se definir. Antes desse encontro nosso único contato foi virtual, ele havia me aceito como amigo no orkut.

Naquela oportunidade, Darlan me apresentou Douglas Silva, falante, extrovertido. Eles me passaram os contatos da Produtora O2, responsável pela produção da série e da carreira dos jovens. Fui até lá mais tarde, mas não pude fazer a entrevista por uma questão contratual. Tiramos fotos.

E eu fiquei no aguardo da liberação para poder entrevistá-los. O tempo passou. Um, dois, quase três meses. Agora, com a série no ar, os atores estão livres para entrevistas. Novamente liguei na O2 e obtive os telefones da dupla. Como já combinei com Douglas, em breve, o meu próximo entrevistado. Quanto a Darlan, foi muito receptivo. Assim como sua namorada Camila, que me atendeu numa das diversas ligações que fiz até encontrá-lo, e sua mãe dona Márcia, que muito me ajudou nesta empreitada com sua paciência em me atender todas as vezes e marcar o horário para a entrevista.

O sucesso continua sendo estrondoso. Até ano passado a série foi assistida por 35 milhões de pessoas no Brasil. Este ano começou a ser exibida na França em Português e em Francês. O último dos cinco episódios desta temporada é assinado e dirigido por Regina Casé e vai ao ar no dia 16 de dezembro.

Mas, afinal, quem é Darlan Cunha? Nascido e criado na periferia de um grande centro urbano de um país no qual o abismo social é absurdo. Negro, numa sociedade na qual o racismo é velado, pode-se dizer que, aos dezessete anos, Darlan Cunha é um vencedor. Um dia, em sua vida de criança moradora de uma favela no Morro Chapéu Mangueira, teve a chance de participar de um grupo de teatro. Darlan e sua família souberam agarrar esta oportunidade, que permitiu que tivesse um destino diferente de tantos outros garotos que faziam parte do mesmo universo que o seu.


Hoje, muita coisa mudou em sua vida. Darlan tem consciência da projeção que tomou seu trabalho, mas sabe também que o artista tem que ser completo. Pensa em fazer cursos no exterior, quer fazer faculdade de Cinema, aprender fotografia, compor e cantar RAP, voltar ao teatro, fazer novela. Saindo da adolescência, ingressando na vida adulta, Darlan tem várias oportunidades de escolhas pela frente, mas uma coisa é certa, pretende continuar no meio artístico. “Quero continuar sendo ator, mas acho que o ator deve ter mais de uma profissão”, considera.

Antes de qualquer coisa, conversar com Darlan é divertido e surpreendente. Quando me preparava para uma grande resposta, imaginando que tinha formulado a melhor das perguntas, ele era monossilábico e respondia: “Ahã!”. Já quando era despretensioso, ele desatava a falar com seu carregado sotaque carioca e conversamos como se fôssemos amigos de longa data. Confira esta entrevista!



RESENHANDO - Darlan, “Cidade dos Homens” está sendo um sucesso mais uma vez. Esta é a quarta e última temporada da série. Como está o clima entre a equipe?
DARLAN - Bom, é um clima de despedida mesmo. A gente está um pouco triste por estar encerrando este trabalho, mas muito feliz porque ano que vem tem o longa, né? E a gente vai batalhar também para ser um sucesso: “Cidade dos Homens – O Filme”.


RESENHANDO - Sempre achei que o trabalho de vocês, e esta proposta de discutir a realidade na ficção, são muito bons. Percebi também que há uma melhora a cada ano na produção, nos temas abordados... Há essa preocupação em fazer cada vez melhor?
DARLAN - Ahã!


RESENHANDO -  Quando você está filmando “Cidade dos Homens”, como fica a tua rotina?
DARLAN - É muito puxado. A equipe me pega em casa às cinco da manhã e a gente vai até às cinco da tarde. Isso acontece porque muitas vezes o plano de filmagens é decidido na hora. Aí eu chego em casa e só como alguma coisa e logo durmo.


RESENHANDO - E você fica afastado da escola.
DARLAN - Nessa época a gente que está filmando fica com professores particulares.


RESENHANDO - E longe do período de gravações como é o teu cotidiano?
DARLAN - Eu sou tranqüilão! 


RESENHANDO - O que você costuma fazer?
DARLAN - Ah, eu estudo de manhã, namoro, vou à praia, jogo videogame, saio com meu cachorro... Antes eu praticava uma porção de esportes. Surfava direto, fazia natação e jiu-jitsu. Só que aí eu me mudei de casa e ficou longe para mim, né? Mas eu quero ver se volto a treinar, fazer essas coisas.



RESENHANDO - Como foi o começo da sua carreira? 
DARLAN - Eu tinha nove anos quando uma vizinha nossa da época comentou sobre um grupo de teatro lá da comunidade, do Ernesto Piccolo. Aí eu fui, meio assim de brincadeira. Só que aí eu fui gostando e continuei. Aí fiz minha primeira peça, que foi um musical. Depois veio a segunda peça e quando chegou a vez da terceira o José Celso (do grupo Nós do Morro) assistiu e gostou de mim e me convidou para fazer um teste para o filme Cidade de Deus. 


RESENHANDO - E o que mudou e o que se manteve na sua vida depois da fama? 
DARLAN - Bem, agora eu estudo em escola particular e pude dar uma vida melhor a minha família. A gente morava no Morro da Mangueira, agora estamos num apartamento no Vidigal. 


RESENHANDO - Você sofreu algum tipo de preconceito depois que ficou famoso por parte de pessoas que faziam parte da tua vida antes do sucesso?
DARLAN - Eu sou nascido e criado no morro e escuto muita história. Tem sempre um ou outro que não gosta de você, algumas pessoas que acham que você tem que “babar o ovo” delas. Mas quando “neguinho” vem e fica falando besteira eu deixo pra lá, nestas horas tem que ter cabeça de vento. A gente muda com as pessoas e as pessoas mudam com a gente, é normal. Mas continuo tendo contato com a comunidade, tenho amigos lá. 


RESENHANDO - Eu vi uma entrevista do Douglas Silva na qual ele comenta que pretende continuar como ator, mas gostaria de fazer faculdade de Direito. Você pretende continuar no meio artístico?
DARLAN - O Douglas cada semana quer ser alguma coisa diferente. (risos!) Uma hora quer fazer Direito, outra quer seguir na Carreira Militar, depois muda de idéia. Se deixar quer ser até Presidente. E eu acho que ele tem competência para tudo isso. Eu quero continuar sendo Ator, mas acho que o Ator deve ter mais de uma profissão. Eu vou cursar faculdade de Cinema. Também vou fazer um curso de Fotografia.


RESENHANDO -  Você pretende prestar o vestibular assim que concluir o Ensino Médio?
DARLAN - Não. Eu estou no segundo ano porque faço aniversário em julho. Eu penso em fazer uns cursos no exterior e depois fazer minha faculdade de Cinema.


RESENHANDO -  Você também é muito ligado ao RAP, tem algum plano nesse sentido?
DARLAN - Eu já escrevi algumas letras, penso em produzir um CD. Quem sabe até cantar...


RESENHANDO -  E fazer novela não faz parte dos teus planos?
DARLAN - Dos meus sim, né? (risos!) Só que nunca me chamaram. A Regina (Casé) fala que eu tenho que ser galã de novela.


RESENHANDO - E você acha que não é possível?
DARLAN - Eu nunca vi galã preto. Ainda existe muito racismo. Mas se a Regina disse, quem sabe ela não tem algum plano para mim?


RESENHANDO - A Regina Casé compõe a equipe de roteiristas e diretores de “Cidade dos Homens” e é mãe da sua ex-namorada. Como é a sua relação com ela? 
DARLAN - Ah... A Regina já é totalmente da minha família. É minha segunda mãe. Ela se preocupa muito comigo, quer saber se eu estou bem, essas coisas. Foi ela que apresentou os antigos donos do apartamento que eu moro agora. Ela é uma pessoa muito sincera e muito autoritária também. Ela vai começar a empresariar a gente, o Douglas e eu.



RESENHANDO -  No making off do filme Meu tio matou um cara o diretor Jorge Furtado comenta que você perguntou para ele se o teu personagem, o Duca, olharia para o corpo da Soraia (Déborah Secco), que estava de biquíni. Você tem esse tipo de preocupação sobre o que o personagem vai fazer?
DARLAN - Tento imaginar o que eu faria se estivesse naquela situação. Leio bastante o roteiro, cem vezes se precisar, para entender o texto e imaginar o que faria, não para decorar as falas. É menos preocupante.


RESENHANDO -  Você tem alguma técnica para compor seus personagens?
DARLAN - Eu faço assim: se o personagem fala pouco e observa mais, eu tento ir exercitando isso aqui em casa. Se for um personagem chorão, eu procuro me emocionar mais com as coisas. Se for chato, eu fico perturbando minha mãe. Todo mundo aqui em casa sofre com meus personagens.


RESENHANDO - Você faz uma espécie de laboratório com sua família?
DARLAN - É.


RESENHANDO -  E como foi fazer o Duca de Meu tio matou um cara?
DARLAN - Foi muito bom, uma experiência diferente. Eu não imaginava fazer um garoto de classe média.


RESENHANDO -  Você tem medo de se viciar ou ficar rotulado em fazer só um tipo de personagem, por exemplo o Laranjinha?
DARLAN - Bem no comecinho eu tinha. O Duca foi importante para eu ver que não preciso ter esse medo. A Regina me aconselhou sobre isso também.



RESENHANDO - E como foi o encontro que você e o Douglas tiveram com o Presidente Lula?
DARLAN - Na segunda temporada, em 2003, teve um episódio que Laranjinha e Acerola iam até o Gabinete do Presidente. Só que aí ele não podia gravar para a série. Quando passou na televisão, ele se interessou pelo nosso trabalho e quis receber a gente lá. Ele recebeu "super" bem e deu um globo terrestre de mármore com pedras para a gente.


RESENHANDO - Você também foi tema de um documentário há dois anos, né?
DARLAN - É. O Douglas e eu fomos tema do Nós no Set, um curta-metragem com quase meia hora feito pelo pessoal do Nós do Cinema. Entrou no making off do DVD da segunda temporada. Foi uma homenagem. Mostra a gente surfando, mostra as nossas casas...


RESENHANDO - Darlan, como é a tua relação com o público e com a imprensa? Você gosta de ser celebridade?
DARLAN - De vez em quando me param, perguntam da série, pedem autógrafo. Eu costumo andar de táxi, às vezes pego ônibus e as pessoas reconhecem e vem conversar. Mas já teve eventos que as pessoas não me deixavam nem comer porque queriam autógrafos. Aí, por educação, eu dei, né?... Com a imprensa é tranqüilo. Os repórteres me ligam para marcar entrevistas. Até gosto de me sentir celebridade, mas a minha vida é comum, ninguém tira foto de mim na rua, na praia, essas coisas.


RESENHANDO - Darlan, tem algum recado que queira deixar para quem acessar o Resenhando?
DARLAN - Vem aí Cidade dos Homens – O Filme. A gente começa a gravar no início do ano que vem.
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